[Lembro-me de ver uma data agendada para a estreia portuguesa. Era algures em Fevereiro e as letras gordas que o anunciavam davam-me um certo conforto. Lá descansei as ofensivas e deixei o guloso tempo passar, sem me lembrar da chegada, chegando agora a constatar, o que os mais pessimistas já andavam a desenhar. The Savages foi escorraçado directamente para DVD. Sei que os cinemas andam cheios de muito boa coisa e que obras como Norbit, Epic Movie, ou mesmo a mais recente aventura de Van Damme, são programa obrigatório para os génios decisores, mas um espacinho para um dos melhores filmes do ano passado não custava assim tanto. Sem mais comentários, e antes que comece aqui a praguejar, seguimos para a crítica.]
Alguém se lembra de You Can Count On Me? Filme pequeno, escondido num ou noutro videoclube, dava-nos o complexo processo de relacionamento entre uma mãe solteira e o seu ausente irmão. Ela, Laura Linney, e ele, Mark Ruffalo, construíam desta forma um belíssimo conto de relações familiares, assente na arte da interpretação. Se pudemos contar com eles naquela altura, podemos agora subir de nível, limar as arestas e chegar à maravilha que é The Savages.
O filme arranca em movimento com a perfeição estática dos jardins e das casas, habilmente pintadas da mesma cor e com o mesmo ar plástico e fictício. Um grupo de idosas dança enganando a idade e é nos dado a conhecer o problema: a namorada do pai morre ficando este entregue aos espinhos da demência, sem companhia nem amparo. Resta-lhe então os seus dois filhos, irmãos que pouco se vêm, talhados em vidas mundanamente distintas, unidos agora num dever familiar onde os ecos de uma infância difícil ganham peso nos actuais juízos de valor.
Arrancamos assim para uma obra crua e áspera, onde as decisões simples são trocadas por gestos reais, parecendo mesmo em alguns momentos que entrámos de câmara em punho na vida daquelas duas pessoas. Este odor intenso a realidade deve-se em parte às soberbas interpretações dos dois irmãos, actos que parecem relativamente simples e fáceis de concretizar mas que estão apenas ao alcance de alguns: Linney incrivelmente perdida, procurando amor e afecto no sítio errado, com a sua beleza desesperada a tomar conta da imagem e Hoffman (um dos melhores actores da actualidade) com o seu rosto impresso numa frustração deprimida, senhor de cenas que vemos e choramos por mais. Neste deserto de tristeza somos presenteados com alguns momentos hilariantes onde só nos resta mesmo soltar uma gargalhada e rir de toda aquela desgraça (o momento da projecção do filme e aquele do buffet antecipado são verdadeiras relíquias!). A juntar a isto toca-nos também uma fantástica banda sonora, acompanhando na perfeição o tom dos dias.
Quem são então Os Savages? Resumindo numa resposta que satisfaça as minhas vontades, podemos dizer que são uma família, um encontro de irmãos, um pedaço de vida agreste e intimista, um colosso interpretativo, uma comédia dramática, uma surpresa mais que antecipada, uma vontade de continuar a segui-los e acima de tudo um dos melhores filmes do ano, do que passou, deste ou do que está para vir, tanto faz.
(+) Laura Linney e Philip Seymour Hoffman, para além da perfeição.
(-) Foi directamente para DVD. Sim é mesmo verdade.
2 comentários:
Já o adquiri. Em dezembro, quando voltar à pátria, vejo-o...
Curiosamente também o vi esta semana e nem tinha passado aqui pelo blog.
Também o considero um dos melhores filmes do ano que passou!
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