sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Corre, John, Corre!


Reduzir John Wick: Chapter 2 ao número de balas é como circunscrever Mad Max a uma perseguição. A viagem, existe viagem, existe experiência, sumo e lucro. Não é isso que vem no bilhete? Ai é: uma edição tão cuidada e delicada, aparentemente descontraída que até uma gargalhada serve de raccord. O mais irónico é que o próprio filme se tenta reformar, como a personagem, descartar do seu papel, tentar aborrecer naquela centena, mais, de crânios a rebentar. Não consegue. Não consegue porque - e aqui amigos é que John Wick assume o estatuto de lenda - existe enquanto personagem do seu próprio filme. Num plano paralelo, suspenso no real, entre as gotas dos dias, sem ninguém se meter, sem ninguém tocar: como no final que todos param, todos são espectadores à espera que o último herói de ação desapareça. Ele foge, como espécie em extinção. Nós, ainda embevecidos, gritamos: corre, John, corre!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Tempo Perdido


Até eu, gosto de ser Mendel cinematográfico, desenhando inteligentes cruzamentos e percebendo de onde vem o tom mais arruivado daquela tal cena. Mas, em O Homem do Futuro, praticar esse desenho é inglório.  Primeiro, porque nunca mais íamos largar a caneta. E segundo porque são viagens no tempo malta, quem é que quer saber? Rezingão frustrado, volta atrás para mudar o percurso da sua vida para depois perceber que as coisas ficaram ainda pior do que já estavam. Para mim bastava o volta atrás, mas já que tem boa música, bons actores e acerta no mecanismo essencial - com o inteligente final - leva um par de beijocas extra.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Não custa nada


Duas coisas muito boas nos dois últimos Underworld, que tive com carinho e dedicação a pôr em dia: são mais pequenos que um episódio grande, sempre abaixo da bitola fofinha dos 90 minutos, e têm fraturas expostas. Quem consegue dizer que não a pouco mais duma horita, a partir e a rasgar lobisomens ao meio?

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Pauvre Lola


Sem querer fazer muito alarido, ligando já o rádio em Gainsbourg para a festa, o primeiro episódio de Legion é a façanha mais inteligente, hábil e deliciosa do ano.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O efeito Knepper


Estava aqui a pensar: oh T-Bag tu rebentas qualquer mitologia onde metas os calcanhares. Não é que Transporter, Hitman ou The Hunger Games tenham tido grande história sem ti mas foda-se, o Jack Reacher? Conseguiste tornar um dos únicos bastiões, correntes, da ação inteligente num daqueles filmes políticos sonecas do domingo à tarde, com o Tom Hanks gordo ou Robert Redford com 240 anos. Não não não.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Um Underworld e dois Resident Evil


Perguntei à minha mãe se podia ver os novos Resident Evil e Underworld. Só quando tiveres os anteriores em dia, disse de forma ríspida sem olhar para mim. Comecei a chorar e vim para o quarto, eu sei que é para o meu bem mas custa tanto. 

Literalmente na cabeça


iBoy entra diretamente para a categoria de filmes que terminam com uma música bestial. Como eu gosto, de filmes que terminam com uma música bestial, no escurinho, a marinar nos acordes o que foi. Para além disso, é possivelmente o sci-fi mais interessante que a Netflix produziu. Sem grandes invenções, sabe dar a bofetada identitária e manter a unidade. Pequenino, de bairro, repleto de bons efeitos, aguenta-se na sua vendetta até ao clímax final, que nem John Wick bebé. E depois termina com uma música...já vos disse não disse?

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

À deriva


É muito difícil explicar mas muito fácil distinguir. Emprestar o físico e ser o físico. São duas coisas diferentes e normalmente caímos na primeira, no gordinho que virou magrinho, ou na bonitinha que virou demónio, gorda sebosa, que trabalho incrível. Isto é o circo. Depois há Natalie Portman que é, ela é, com uma sobriedade arrepiante onde se ouve o todo. A fragilidade e anestesia. A anestesia, talvez a grande conquista do filme: levar-nos sem rumo para aquele flutuar e concluir com Jackie que aquela dormência, há muito que tinha acordado. 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A chamar por vocês


É daqueles instantes, que tem tanto de lógico como de sei lá. Consigo escrever, de como o miúdo é incrível, de como todos envelhecem sem nada dizer, de como a animação nos rouba o fôlego, de como as cores nos enchem a íris ou de como o monstro se torna tão nosso. Eu consigo, mas não há base que sustente o aperto, não há experiência que certifique a ternura, o apreço e a certeza de que A Monster Calls é um dos filmes mais bonitos desta última década.

The Expanse voltou


É que não são só as novas personagens - especialmente ela - a lembrar-nos porque nos perdemos de tal forma pelo género. São as coreografias, a trama bordada numa noção plena do espectáculo. Do espaço, das grandes óperas, e dos momentos singulares. E, como se não bastasse tal euforia, está tudo a acontecer agora, em directo, mesmo por debaixo das nossas estrelas. 

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Também tu?


Split faz batota. Eu vi Split fazer batota. Gritei, ao croupier, mas ele não ligou. Mandou-me sair, e que não voltasse. Eu vou voltar, porque desde pirralho que sigo o Shyamalan. Sigo e gosto, na saúde e na doença. Mas depois da gema, The Visit, não há como esconder a desilusão de um filme que quer ser outra coisa. Em vez de se fechar na sua sólida premissa, com o seu sólido elenco, nas suas sólidas paredes, parte para uma resolução trapalhona que culmina no gancho mais idiota e fora de tom da história dos cruzamentos, crossovers ou como a Marvel gosta de lhe chamar "mais um dia no escritório". E não vale a pena dizer que é pós o que quer que seja uma vez que a música do outro entra bem antes. Perde-se tudo o que existia, em prol de algo que ainda nem existe. 

Promete tudo


Parece estar na moda dizer que está na moda não gostar do dito cinema comercial. Confundindo a pipoca com a estatueta, a discussão com a opressão, as palmas com as palas. O que é importante reter é que o cinema óscar é um microcosmos criado por uma dezena de interesses, uma dúzia de outros prémios e dois ou três favores sexuais, com o propósito de não magoar ninguém. Cinema esse que premeia - segundo a história da última década - obras menores, inócuas, que saltam para cima da mesa e que toda a gente quer ver. E depois esquecer, porque não há marca, não há murro, não há cuspo. Cinema comercial é Marvel, Star Wars, isto é outra coisa. Um aborrecimento que não deveria aborrecer ninguém, cada um com o seu cinema. E se há aqueles que discordam de tudo o que aqui apontei, excelente, podemos falar disso ou também podemos virar costas, agora não me fodam é com modas e clubismos.

E assim La La Land. Que, começando por onde se deve, tem aquele que é dos inícios mais fulgurantes, incríveis e inacreditáveis do passado recente. Um quase plano sequência - são três colados uns nos outros - que nos lança de cabeça para uma explosão de cor, criatividade e música, para todos fugirmos da estática e assim sonhar, sonhar muito. Aqui o filme promete tudo, para depois nos dar uma mão cheia de nada. Nunca mais regressamos à façanha, à audácia. Precisávamos de 500 Days of Summer. Para em conjunto com as cores, ir mais, pensar mais, oferecer mais personagem e menos calendário apressado. Falta química - ambos em piloto automático - falta a tal magia. Que volta já no final, naquela, não menos estupenda, cena do "e se", mas é tarde demais. Precisávamos da amargura Café Society. Para ficarmos à deriva, naquela tal melodia.  

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

À noite é que são elas


Somos tão enfrascados com o conceito novelesco e gritado da interpretação nacional que nos esquecemos, que à noite, esses mesmos corpos de revista, são super-heróis. Filha da Lei é a prova disso: interpretações contidas, cinzentas, cruas e estupendas. Os mesmos, mas agora dirigidos, conduzidos e sem formas. Anabela Moreira, ela, mas também o colega novato, o colega bruto, o jornalista, que rapidamente se podiam fechar no estereótipo mas que se entregam, pelo contrário, à trama. A filha, que nos leva a outra vitória: o corpo e a tensão sexual. É ou não incrível a cena, do segundo episódio, em que ela chega à esquadra? O pecado, o lascivo, conduzido pelas ruas mortas da cidade. Lembra The Killing nos seus modos escuros e húmidos de retratar os espaços e obssessões. Lembra também que andávamos esquecidos destes dias. Pois bem, não tem nada que saber: terça-feira, 22h15, RTP. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Quando os filmes eram uma festa


O que a Disney faz com este trailer – e um pouco com todo o material promocional – é de uma inteligência valente. Um peito aberto onde a hipocrisia e a sinceridade se baralham, se misturam e voltam a dar. Muito surpreendido com The Jungle Book, não posso com Beauty and the Beast fugir ao azedume da linha Cinderella, uma pastelada epiléptica, papel químico do desenho animado, aborrecidíssimo, sem um único plano diferenciador e autêntico. A somar, Bill Condon, que já deu ao mundo dois Twilights e o Dreamgirls, que nunca vi mas sei que tem umas mamalhudas e o Eddie Murphy grisalho. Até me arrepiei. Por último é a jogada segura, de ir sacar milhões e milhões, com um produto de outrora, para adolescentes apaixonadas e pimpões precoces. Toca a faturar meninos. 

Porém, e aqui entra o clique, não está o trailer, ao mostrar que é exatamente a transposição do original, a ser o mais sincero possível? É isto, passo a passo, o mesmo filme, as mesmas canções, feito hoje, querem? Não engana ninguém com supostos novos olhares na personagem como fizeram com os cornos da Jolie. E este assumir é injustamente orgânico, pois A Pequena Sereia, A Bela e o Monstro, o Aladino, foram também a minha fase dourada, quando o cinema era uma festa, acima de qualquer outra coisa, sem interesses, sem moedas, sem tristezas. Era o meu castelo. Lembrar-me que ele existe, é fundamental para continuar. Certain as the sun.