domingo, 31 de outubro de 2021

Mundos paralelos

Recordação de um ciclo que propus para o blogue do amigo José Carlos Maltez, A Janela Encantada, sobre Mundos Paralelos. Deixo aqui o início e convido-vos a passar o espelho para a restante aventura.

"A minha mãe ia contar uma história. Eu ia nessa história, com ela. A uma escola nova, terra vizinha. Esperando, como se espera sempre em espaço novo, o maior grau de estranheza, estranheza fresca, por abrir. Mas ali, naquela manhã, o esquisito sabia a família: o edifício era igual ao que temos em casa, aquela escola era igual à minha, só que em azul. Trocaram o amarelo e encheram esta cabeça de um universo paralelo. Primeira vez que fiz tal viagem, tal embarque a um conceito com regras muito bem definidas: “Parallels”, um filme de 2015 diz cedo na voz de uma das suas personagens – não viajaste no tempo, o dia e a hora são exatamente os mesmos, só que estás noutra versão do planeta Terra. Imaginemos que agora, num outro mundo, um outro “eu” está a gatafunhar esta crónica, só que em vez de uma BiC azul usa uma BiC preta. Pequeninas, minúsculas, ligeiras diferenças até às brutais como este amontoado de palavras não existir ou eu nunca ter nascido. Ou ter nascido mas gostar muito do “Shakespeare in Love”, ou melhor não ter mesmo nascido. O filme, esse, é também um piloto de televisão, o que faz todo o sentido uma vez que foi – e ainda é – o pequeno ecrã a oferecer o espaço das possibilidades. Dezenas de episódios cobrem com muito mais facilidade as viagens que podemos fazer, as variações que queremos montar. Mundos infinitos que, numa premissa como “Parallels”, precisam de todas as hipóteses, até dar, até ser possível. “Sliders” foi dos exemplos mais claros e cristalinos deste conceito e mais recentemente “Fringe”, que elevava a fasquia para uma guerra entre mundos, com protagonistas e seus duplos a marcarem a memória recente. Como “Stranger Things” e o seu Mundo Invertido ou “Flash”, que é pau para toda a obra e para além dos paralelos tem os mundos criados por viagens no tempo. Fazer diferente, a causa efeito, fantasmas ontem, monstros hoje. Mas comecemos a bater à porta, não das projeções futuristas e inter-dimensionais de “Black Mirror” e “Dimension 404”, mas sim do guarda-roupa. Sim e passemos para o cinema, senão daqui a bocado começa a tocar a orquestra e eu tenho de me calar."

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Top filmes de Halloween que não são o Halloween

Não pode ser só o Natal e Die Hard malta. Há espaço para outras datas e novas questões: é o The Karate Kid um filme de Halloween? O que é que deve obrigatoriamente constar numa obra destas? E as abóboras, de pescoço ou manteiga? Pois é, tudo a brincar ao doce ou travessura e ninguém pára um bocadinho para pensar nisto. Felizmente as Nalgas, na companhia do comparsa José Santiago (Passos no Escuro) dão descanso ao Michael Myers e proporcionam um episódio de pure galhofa.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Filme IKEA

As divisões estão todas presentes: a sala, o quarto, a cozinha, a casa de banho. Mas ninguém vive realmente lá. Há pessoas nestes espaços, pessoas que nos podem esclarecer uma ou outra questão mas que não sabem o que é dormir, acordar e almoçar ali. São apenas adereços, como todos os outros, limpos desinfetados, para não mexer. Malignant é esta ida às compras, com James Wan como chefe de loja.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Anakins que gostam de areia

[SPOILERS] Esta necessidade do sexo ser narrado continua a aborrecer-me. Sinal das camas, e dos tempos. O Momoa sacrifica-se e tranca-se numa divisão exterior. Vemos ele a fechar-se lá. Percebemos que ele se fechou lá. As personagens também assistem. Tudo claro. Então para que é que alguém tem de dizer: ele trancou a porta. Ou para que é que se tem de colocar no diálogo: ah a sandworm foi embora porque foi chamada pelo tamborzinho. Oh foda-se, nós percebemos, nós chegamos lá. Se a especiaria, foi apresentada ao início pela Zendaya, era preciso colocar um vídeo tutorial a explicar o mesmo cinco minutos depois? Necessitamos de espaço. E não, não é nos diálogos nem nas personagens que este filme me ganha. Faltou-me aquela proximidade para sentir a perda, a traição, para querer ver a segunda parte já amanhã. Sim, é tudo relativamente consistente, a léguas de distância da trapalhada irreversível de Lynch, mas faltaram-me actos, momentos. Por outro lado, se não há aquela cena memorável na narrativa, há uma inesquecível e imersiva experiência de cinema. A música, a escala, o modo como usam os cenários naturais, a forma como a linguagem Villeneuve se apropria de Arrakis, os soldados a descer do ar ou as minhocas a irromper do chão, é tudo repleto, completo. Não há detalhe que fique por bordar e isso faz a viagem.

domingo, 24 de outubro de 2021

Quote - Kill Bill: Vol. 1 (2003)

As your leader, I encourage you from time to time, and always in a respectful manner, to question my logic. If you're unconvinced that a particular plan of action I've decided is the wisest, tell me so, but allow me to convince you and I promise you right here and now, no subject will ever be taboo. Except, of course, the subject that was just under discussion. The price you pay for bringing up either my Chinese or American heritage as a negative is... I collect your fucking head. Just like this fucker here. Now, if any of you sons of bitches got anything else to say, now's the fucking time!

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Dar pérolas a vampiros

É o Colateral com vampiros. Boleia para a noite toda, tudo certo. A única questão que levanto é: porque é que uma dupla com o calibre da (veterana) Megan Fox e da (ascendente) Sydney Sweeney é relegada para pano de fundo? Amigos, estas eram as protagonistas, não as outras mocitas da CW. Trocaram os papéis à nascença. Quem sabe se o choradinho não dá direito a spin-off, quem sabe. 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Eu, VHS

V/H/S 94 mantém alguns problemas dos seus antecessores, nomeadamente o desequilíbrio das propostas e a falta de ligação/condução entre as mesmas. Porém, no segmento The Subject (Timo Tjahjanto) somos presenteados com os melhores robozinhos cyborgs filhas da puta desta década. Cronenberg, Blomkamp, Verhoeven, vocês vão ficar tão orgulhosos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Come with me if you want to to die

[SPOILERS] Começamos bem, com o Jim Cummings, oh um filme do Jim Cummings? Ficamos logo de orelhas no ar. Afinal não. Era só uma perninha mas ainda assim flashback competente que propõe uma série de sobreviventes - o polícia e os outros quatro amigos que se reúnem no bar - como principais antagonistas de Michael Myers. Há aquela aura de Dream Warriors, de realeza que superou e que agora está preparada para o embate final. Essa era a história a contar. Porém damos por nós numa rotunda sem saída, de mortes criativas mas diálogos sofríveis, onde só sabem dizer (muito sérios) que o mal acaba esta  noite, que eles vão parar o mal, esta noite, o mal, o mal acaba. Com aqueles perlimpimpins de que afinal os monstros somos nós (a sério?), rumo à inevitabilidade: nem um grupo de 20 pessoas armadas o consegue parar. Quando pensamos que o capturaram, que o plano resultou, que ele é humano, que daqui podemos partir para um terceiro capítulo diferente, começa a música do Terminator e o T-H2021 mata toda a gente. De novo. Depois mata  também a filha da Laurie e o filme acaba. Sem lições, sem marcas, exatamente como começou.

domingo, 17 de outubro de 2021

O Último Grande Reynolds

Estabelecendo um seguro perímetro de segurança, atenção, seguro e largo, quase um fosso com jacarés e aquele monstro gigante do Willow, desenhando isso, lembrei-me de Last Action Hero. Ou Stranger Than Fiction. Da personagem que não sabe que o é. De um filme, de um livro e hoje de um jogo. Tudo naquele pacote Shawn Levyano de toda a família - ficava ainda mais saboroso com a violência característica de um universo destes - colmatando a falta de construção/reflexão com um imparável cortejo de referências e cameos. É isso que este Free Guy é: uma festa, colorida, divertida, de onde saímos meio bêbados a trautear Mariah Carey. Fosse todo o domingo assim.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Venham mais gritos

Aquele Hello Sidney, It´s an honor, mesmo no final, carago! Aí sim, aí estamos na saga. Até há um vídeo só com essa parte, tão bom. Porque de facto o resto do trailer não abana, não mexe com as nossas agulhas. Podem estar a esconder algo grande, mas o que transpareceu foi um produto cansado, de volta às mesmas regras, às mesmas casas, aos mesmo inícios. Como pontapé de saída de uma (possível) nova trilogia - com os mocitos do bestial Ready or Not - estava à espera de uma volta maior. Acender a velita e em janeiro não falhar a missa.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Myself


Kate Siegel tem sido o talismã de Mike Flanagan. Com mais ou menos tempo de antena lá vai pisando as diferentes obras do realizador, num registo discreto mas magnético, numa beleza simples mas intemporal. E se em Hush ela se mostra dona do exercício, em Midnight Mass ela assume-se como a dona disto tudo, roubando o protagonismo e oferecendo um monólogo final absolutamente inesquecível (com resquícios daquele de A Ghost Story). Quem não viu dê primeiro um salto à ilha, para os outros, com o TPC em dia, é redescobrir.

Myself. My self. That’s the problem. That’s the whole problem with the whole thing. That word, “self.” That's not the word. That’s not right, that isn’t…How did I forget that? When did I forget that? The body stops a cell at a time, but the brain keeps firing those neurons. Little lightning bolts, like fireworks inside and I thought I’d despair or feel afraid, but I don’t feel any of that. None of it. Because I’m too busy. I’m too busy in the moment. Remembering. Of course. I remember that every atom in my body was forged in a star. This matter, this body is mostly empty space after all, and solid matter? It’s just energy vibrating very slowly why there is no me. There never was. The electrons of my body mingle and dance with the electrons of the ground below me and the air I’m no longer breathing. And I remember there is no point where any of that ends and I begin. I remember I am energy. Not memory. Not self. My name, my personality, my choices, all came after me. I was before them and I will be after, and everything else is pictures, picked up along the way. Fleeting little dreamlets printed on the tissue of my dying brain. And I am the lightning that jumps between. I am the energy firing the neurons, and I’m returning. Just by remembering, I’m returning home. And it’s like a drop of water falling back into the ocean, of which it’s always been a part. All things…a part. You, me and my little girl, and my mother and my father, everyone’s who’s ever been, every plant, every animal, every atom, every star, every galaxy, all of it. More galaxies in the universe than grains of sand on the beach. And that’s what we’re talking about when we say “God.” The cosmos and its infinite dreams. We are the cosmos dreaming of itself. It’s simply a dream that I think is my life, every time. But I’ll forget this. I always do. I always forget my dreams. But now, in this split-second, in the moment I remember, the instant I remember, I comprehend everything at once. There is no time. There is no death. Life is a dream. It’s a wish. Made again and again and again and again and again and again and on into eternity. And I am all of it. I am everything. I am all. I am that I am.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Próximo destino

Eu a pensar que tinha feito bingo nas Cidades do Amor e afinal falta-me o Tbilisi, I Love You. Twistzão. Ainda para mais aparece ali entre o Berlin, I Love You e o Rio, Eu te Amo; pior, não está no site oficial. Mau. Afinal é do cânone ou não? Juro que quando comecei a escrever, três linhas acima nunca imaginei estar dentro dum post de mistério mas agora estou. Alguém pode ajudar a resolver isto? É que se não for cânone podemos todos sossegar e esperar com calma pelo Shanghai, I Love You. Mas não vim aqui para recomendar estes filmes - quer dizer, o Paris, je t'aime é bastante bom, sendo que depois foi colina abaixo, tipo aquele queijo - vim aqui para falar de Tokyo!, uma antologia de 2008, que se foca menos no cruzamento de pessoas no passeio e mais nas visões de três criativos do cinema contemporâneo: Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon Ho. É a tempestade perfeita, que chega à cidade, nos medos, nos fantasmas, nas fobias. Tão distópica como atual. Cada qual sua experiência, sem predileções, como verdadeira visita:  de cheiros, cores e detalhes. Não vou estragar nada (cada segmento tem o seu quê de inesperado), vou apenas passar o bilhete e assim, apontar o destino.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A outra margem


Pronto, lá vem mais um filme em que o marido falece e depois ela descobre um baú, com centenas de segredos que não lembram ao menino Jesus, e depois há outro mau, que está vivo, e há fantasmada que também parece má, mas que afinal só quer avisá-la: foge miúda, foge. Só que afinal não. Eu todo prepotente, a pensar que ia ver o What Lies Beneath 37, e sai-me esta maravilha de filme. Não me lembro da última vez que a pele de galinha tinha tomado posse dos meus braços ou que o peito de facto tivesse apertado, no mergulho do susto. Tudo aconteceu neste The Night House, a terceira longa de David Bruckner (depois do não menos interessante The Ritual), um esquema de luto tão fino, tão delicado na sua evolução, que quando vira - quando finalmente sussurra - surpreende na edificação de algo diferente. Algo nunca assumido, escondido nas formas - belíssimos planos do está/não está - incrustado na presença de Rebecca Hall - fabulosa, devia fazer mais terror - e, a jusante, nas nossas cabecinhas. Que boa surpresa. 

domingo, 10 de outubro de 2021

De vierde man (1983)

 A aquecer para o polémico Benedetta, que tem um belo poster. Ainda não viram? Eu mostro.

Faz lembrar o outro, do novo Almodóvar. Também não conhecem? Eu mostro.


Mas hoje é The 4th Man, uma espécie de aquecimento para Basic Instinct, só que mais enérgico e desafiante. Um escritor bissexual, alcoólico, com estranhas visões associadas à morte, é convidado para um evento literário noutra cidade. Lá, conhece a misteriosa Christine e nos seus braços enceta uma alucinante descida, de sonhos, símbolos e repressões. Há um constante nevoeiro premonitório, que nos faz querer comer uma e outra pipoca, dentro do puzzle, à espera de nova entrada no quadro dos sonhos ou saída para o cruel fatalismo. Pintado com um arrojo viciante, quer seja nos temas - igreja, sexualidade, vai à todas - quer seja nos frames - pétalas, câmaras, estamos sempre dentro. Um Verhoeven pré-Hollywood que vale a pena descobrir.