sexta-feira, 20 de setembro de 2024


 Eu, a tentar perceber se o fim de semana vai ser bom ou uma valente merda.


Twister (1996)

Introdução aos Cuculiformes

Um filme que se chama Cuckoo não precisa de ter uma cena onde o ator explica à atriz, olhando para um casual cromo de um cuco, como é que esta ave opera. Porque sabes, os cucos põe os seus ovos noutras casas - piscadela de olho para aquele espectador que esteve em criogenia desde o Cretáceo. A obra de Tilman Singer não ganha nada com este terceiro acto Shyamalanesco, onde se recapitula passo a passo tudo o que não percebemos. Aliás todo o desconforto e estranheza do arranque ordenam que o espectador se mantenha em sentido, investido: desde aquelas repetições temporais até à inteligente cinematografia da perseguição de bicicleta. Poderia dar para qualquer lado, qualquer género. E ganharia muito em deixar essas escolhas entreabertas, para que qualquer ornitólogo do terror se pudesse perder a descobri-las.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Isto agora não sai nem com tira nódoas


No dia achei meio paradão. Fui dormir. Só que depois não dormi. Ou se dormi foi sempre com a música: um carrossel soturno e magnífico de Dominique Plante, uma marcha em círculos, em ciclos, naquelas repetições diárias, desde a espera até ao exercício físico. E depois infetou ainda mais, para a cena do tribunal, a transformação medonha em discurso directo. O resultado prático da obsessão, de um voyeurismo carnal, digital, doentio. Juliette Gariépy absolutamente viciante, num aparente jogo de tribunal que se expande, silenciosamente, para o mais assustador dos horrores.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Fim de semana e fim do mundo na Gronelândia

No espaço de uma semana vi dois filmes em que o Gerard Butler está com o matrimónio todo escangalhado. Um em que lhe raptam a mulher numa bomba de gasolina - Breakdown do Intermarché- e o outro este Greenland, onde felizmente não lhe fazem nada à mulher mas o planeta está em dificuldades. Cometa Clarke, que afinal é cometão, impacto profundo, muitos impactos profundos, extinções em massa, fim. Eu até tinha deixado passar este mas entretanto descobri que vai ter uma sequela, Greenland: Migration, e ignorar um filme é uma coisa, ignorar uma saga é outra. Então lá pus mãos à obra e este desnorte de uma família perante o final do mundo deixou-me surpreso. Há nele uma intensidade partilhada, uma aflição permanente que tanto cai no desespero (e no pior) como oferece incomuns momentos de humanidade e conexão. O tio Emmerich não aprovou, mas o tio Ferreira gostou.

sábado, 31 de agosto de 2024

Remake português no concerto da Tinoco?

[SPOILERS] Juro que quando ele começa a dar porrada nos polícias, já perto do fim, cheio de força e não sei quê, eu pensei: mas tu queres ver, mas tu queres ver que começa a tocar a música do Protegido e está tudo fodido outra vez? Felizmente não. E felizmente este filme faz uma coisa para a qual eu já não estou preparado: surpreende. Pensei que o moço era uma espécie de Dexter e que todas as pessoas que ele tinha morto eram bandidos que tinham escapado à lei. Errado. Depois pensei que a mulher dele também estava metida e que matavam os dois em conjunto, casal feliz. Errado de novo. Só tiros na água. E muito longe de imaginar que a segunda parte do filme transformava a filha do Shiamané na grande heroína do filme.

Essa imprevisibilidade, que se junta a um renascido Josh Hartnett, faz deste Trap uma experiência curiosa, ingénua e de alguma forma saudosista. Claro, que nesta fragmentação narrativa, o filme perde intensidade e foco. Ganharíamos todos se este pai de família fosse descaradamente o grande protagonista, de malabarismo em malabarismo, de fuga em fuga - como faz por exemplo, com maior ou menor eficácia, a série You - aumentando o volume das suas vilanias. Umas machadadas a mais não fazia mal ninguém. Para além disso, algumas das interpretações deixam muito a desejar, retirando vigor a cenas que se queriam desesperadas e credíveis. Mas pronto, tivemos direito a homenagem ao Sudden Death, com o óleo das batatas fritas, e ficámos com mais uma obra inesperada de um realizador que continua a fazer o cinema que quer e como quer. 


quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Repetidamente

[SPOILERS] Opá sim, aquele abraço final de grupo resulta, e só por esse conforto o filme vence. Também é verdade que florescem ramos francamente criativos (e maduros) ao longo da aventura, como aqueles que se erguem para formar a identidade da Riley, o cameo precoce (e hilariante) da nostalgia ou a ideia de que ao crescer perdemos a alegria em prol da ansiedade. 

Porém, senti sempre esta sequela a movimentar-se na zona de conforto, ao estilo de episódio da semana, remetendo de forma inexplicável a puberdade para um drama de hóquei. Eu quero lá saber quem é que a treinadora vai escolher ou se o vermelho fica bem em madeixas. Ou arriscavam a sério nesse vendaval de mudança - com todas as hormonas que ele traz - ou então punham o hóquei no saco e davam real palco às emoções. Porque, olhando daqui, são elas que estão no poster, são elas que eu quero ver crescer.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Perna curta para tanto caminho


Empurrando para a borda do prato todo o arroz publicitário, o grande problema de desonestidade é do filme para com ele próprio. Conduzido por uma estética irrepreensível e uma angústia viciante da protagonista, Longlegs usa os seus capítulos como forma de preencher os vazios. Esquecendo-se do que é e do que tem de oferecer: como policial precisamos de um vilão e seus métodos, precisamos de motivações, precisamos de jogo, gato e rato; o filme dá, para nos tirar logo de seguida. Como thriller sobrenatural precisamos de pistas, de contexto, de ligações; o filme dá isso numa bofetada confusa e ainda nos martela tudo mais uma vez na cena final. Não é uma questão de falta de exposição, é um problema de identidade, de sabermos escolher os nossos monstros. E com muita pena minha Osgood Perkins não soube.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Sou teu amigo sim

O grande feito de Oddity é a ilusão de escala. Parece grande. Meia dúzia de caras, uma casa e um bonecão de madeira, fazem-nos passar com facilidade a barreira do exercício. Coisa que por exemplo, You'll Never Find Me - outro bombom indie recente - não consegue. Há um mundo a orbitar naqueles objetos, naquelas habilidades, naquela investigação. Em cima disso uma história simples mas inesperada, a transbordar bizarrice - desde os maluquinhos até às campainhas - cumprindo tudo o que promete num último acto certeiro e aterrador. Tivesse Damian Mc Carthy um elenco mais encorpado e experiente e estava aqui um cagaço para as calendas.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

É ela que me mata a mim

[SPOILERS] É irónico, mas o melhor segmento de Alien: Romulus não tem nenhum alien. Somos atirados de início para uma colónia mineira, num recanto da galáxia; penumbra, pó, populaça e o sonho de uma vida melhor. É neste ímpeto de fuga que chegamos a uma estação à deriva e de novo todos aqueles tempos certos da ficção científica. A música e a calma com que vemos as naves a manobrar, a acoplar, como o Verhoeven tão bem fazia no seu Starship Troopers. O mergulho é real e continua numa estação abandonada - escura e claustrofóbica - dividida em duas metades, Romulus e Remus. Irmãos, como a dupla protagonista Rain e Andy. E é nesta complexa relação que reside o tema mais interessante do filme: a irmã que preserva no andróide, seu irmão, as memórias (e as piadas) do seu pai. Como se fosse o último reduto analógico de alguém que partiu, como uma fotografia, e da qual tudo faremos para proteger.

Porém, como diz o Miguel Araújo, "se eu não mato a saudade, é ela que me mata a mim".

E Fede Alvarez entra então em modo greatest hits com um caderno de encargos mais extenso que a fronteira entre o Cazaquistão e a Rússia. Aliens aos magotes, armas de marine, andróide mau e afasta-te dela seu sacaninha. Até tocou aquela "Dei à luz um Engenheiro", numa crise grave de Regresso do Reitivite, em que o filme acaba só que afinal não porque ainda falta a 17ª homenagem/colagem às obras anteriores. Um assalto tenso e fechado, com temáticas humanas e cenas de ação inventivas, torna-se num festival demorado de músicas de outrora. 

domingo, 7 de julho de 2024

Eles veem (e explicam) tudo


- Oh meu deus onde é que eu estou? Que letras e palavras são estas?
- Nós chamamos-lhe (PAUSA DRAMÁTICA) O Texto.
- Wow, é quem são estas pessoas que nos estão a ler?
- Os antigos chamam-lhes (PAUSA DRAMÁTICA) Os Utilizadores de Internet.

The Watchers é assim, do início ao fim. Tudo tem nome, explicação e história de origem. Fica muito pouco nas nossas mãos, o que para uma floresta carregada de mitologia e folclore fazia todo o sentido. Há de facto boas ideias (e belas molduras) nesta primeira obra de Ishana Night Shyamalan; porém acabam por ser comprimidas num calendário demasiado preenchido e luminoso.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Contranatura

Assim como havia algo de profundamente magnético naqueles longos planos de um gajo a pintar, no Twin Peaks de 2017 há algo de perversamente confortável na viagem mato adentro deste serial killer. Fez-me lembrar o A Ghost Story, na perspectiva inusitada e declarada de voyeur; de uma visão contemplativa e raramente contemplada. Aqui o outro lado, um Viver Mal dos slashers: seguimos, quase sempre na primeira pessoa Johnny, um monstro que acordou e iniciou a sua matança. Lá vai ele aos poucos nas florestas, nos bosques, nos lagos, nos pastos. De manhã, de tarde, de noite. Sempre à procura de alguém a quem possa infligir uma morte danada. Este virtuosismo do percurso e da montagem, acaba por diluir a tensão e expetativa tão necessárias no género. Transformando este In a Violent Nature num animal curioso mas em conflito consigo próprio.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Ecoa na eternidade de uma sequela

Paul Mescal matou Pedro Pascal é o trava línguas cinematográfico do momento. Imensas crianças a brincar a isto nos recreios enquanto fazem aquelas combinações idiotas de palmas e carapau sardinha. Atenção ao dizer isto muito depressa. E atenção também a esta sequela com o filho da Connie Nielsen, que deve ir vingar o Russell Crowe (fantasma da força?) e fazer festinhas no feno como não se houvesse amanhã.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Alterações netflixmáticas


Falava com o João, ao almoço, de como a Netflix - e plataformas em geral - se têm apropriado dos nomes. Aos poucos, os filmes deixam de ser daquela pessoa e passam a ser daquele monopólio. O que acontecia já com as séries chega a este cinema de plataforma, encaixotado no catálogo "o que ver a seguir". Por outro lado é neste "Quem quer ser John Netflix", que os autores encontram poiso para os seus trabalhos e podem continuar a filmar. Este Sous la Seine é um óptimo exemplo disto: não é o último filme do Xavier Gens, é o filme de tubarões da Netflix, já a obra mais vista no segmento dos 14-24 anos às quintas-feiras depois das 20h15. Não sei quem ganha aqui. Por um lado é pôr um autocolante por cima e vai tudo a eito. Por outro, é forma de relembrar filmografias menos faladas e ver finalmente o Frontière(s), por exemplo. O que é que vocês acham?

Em relação ao filme, gostei da cidade e suas catacumbas. Sítios reais que depois não casam com os efeitos de segunda linha e as piruetas daquele tubarão fêmea. Algumas cenas com piada - como a dos nadadores - mas falta assumir o divertimento e o massacre, como tão bem executou Alexandre Aja no seu Piranha 3D. Leva a sua patetice demasiado a sério. E assim resta-nos esperar pelo Sous la Seine: Dominion. Onde o mundo fica cheio de tubarões e depois os nossos protagonistas vão a Malta andar de mota de água e acabam num complexo aquático de uma multinacional cheios de gafanhotos. Gafanhotos do mar, claro.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Diz adeus ao par de trombas

Naomi Scott, a única princesa da Disney que já foi Anjo de Charlie e Power Ranger. Ou a única Power Ranger que já foi princesa da Disney e Anjo de...bem vocês perceberam. Metam o favorito em primeiro. Certo é que esta tríade vencedora entra agora no segundo capítulo da (aparente) saga Smile, que para além de ter aqui um fã tem também um belo poster. O Halloween 2024 acaba de ficar mais interessante.

terça-feira, 18 de junho de 2024

Canções com filmes - I Miss You (blink 182)




We can live like Jack and Sally if we want
Where you can always find me
And we'll have Halloween on Christmas
And in the night, we'll wish this never ends
We'll wish this never ends

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Nalgas: The Awakening

Ainda não vos tinha dito mas as Nalgas voltaram. Cortámos os três o cabelo, para se perceber que estamos mais velhos, como a Zendaya fez no Challengers, e mudámos de nome. Agora somos só e apenas Nalgas do Mandarim. Mais apurados. Como um bom vinho; só falta a nova imagem ser um desenho duma criança, como a Herdade da Malhadinha. E enquanto 2025 não chega - ano em que iremos celebrar uma década de vida, em princípio com a primeira Feira Medieval das Nalgas - temos novo episódio, que, como de costume, é um valente fartote.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Não tem é padres biólogos, como o outro

Conhecem aquela música dos Pólo Norte: Se eu voltasse atrás, Por minha vontade, Trocava alguns anos desta vida, Por um só dia na tua idade. Pois bem, eu trocava maior parte dos terrores desta carreira de espectador borradinho por um só frame deste The First Omen. Podia ser este, quando ela acorda. E que me lembra tantas outras obras das quais não me consigo lembrar. Esta primeira longa de Arkasha Stevenson - que já tinha espalhado magia nas séries Brand New Cherry Flavor, Legion e Channel Zero - tem esse dom: de nos lembrar muito cinema, desde Argento a Carpenter, mas de no final sair por cima, em belíssimos quadros de horror e angustia. Um dos filmes do ano.

domingo, 9 de junho de 2024

A vossa máscara não me é estranha

Renny Harlins no caminho? Vejo-os todos. E um dia ia dar nisto. Juro que pensei que este The Strangers: Chapter One era prequela de origem, descrevendo como é que esta grupeta de psicopatas se tinha juntado. Até apostava num daqueles twists em que depois uma das vítimas se tornava também uma "estranha" no final e o filme fechava com ela a comprar uma daquelas máscaras no Centroxogo. Afinal não, é só mais um reboot frame a frame do original. Desinspiradíssimo, nas interpretações, nos tempos, nos sustos. Seria de esperar pelo menos a experiência e a visão de alguém como Harlin. Mas foi tudo terraplanado. Tinha sido muito mais interessando manterem o conceito base mas darem-lhe uma nova volta, como fizeram recentemente as sagas Wrong TurnParanormal Activity. Ainda para mais é uma trilogia ou seja estamos entalados com mais dois filmes. Pode ser que o pior já tenha passado, copo meio cheio, sempre o copo meio cheio.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

As reviravoltas do universo aranha

Intitulava-se "O bom, o mau e a antecipação". Focado no universo aranha. Não é nesse, é mesmo no universo de filmes de terror com aranhas; sem os linguadões de pernas para o ar. Pronto, então, o bom ia ser o Vermines, o único que tinha visto na altura que engendrei o título. O mau ia ser o Sting e a antecipação o remake do Arachnophobia. Só que a vida está cheia de surpresas e afinal o Sting é mais ou menos. Armei-me em Nostradamus fanfarrão e esta história de uma miúda que adopta uma aranha alienígena tem algumas picadas dignas de registo. Gore e asco necessários para um filme de criaturas; o crescimento da antagonista acompanha bem a expansão dos outros inquilinos no prédio e o mecanismo Alzheimer é usado de forma inteligente para duplicar o medo. Por outro lado as interpretações não são as melhores e desperdiça uma boa analogia (na banda desenhada) para fortalecer as suas teias. Conclusão, se a vossa religião só vos deixar ver um filme de aranhas fodidas este ano vejam o Vermines. Se não tiverem restrições, não ficarão mal servidos com uma sessão dupla. 

Então e o Arachnophobia? Ah pois é. Ia acabar o texto, até porque tenho um suflê de peixe para fazer, mas posso ficar mais umas linhas. Ao que tudo indica é sequela de legado, produzida por James Wan e realizada por Christopher Landon, daqueles filmes simpáticos onde ela morre todos os dias. Não tenho muito mais informação para vos dar. Possivelmente vamos ter direito ao Jeff Daniels em modo Bill Pullman no Independence Day: Resurgence, já velho e senil, "ninguém acreditou em mim!", e depois o neto, mais os amigos, que descobrem um velho barracão, e mais não sei quê. Ah e claro, muitas, mas mesmo muitas, aranhas em CGI.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

A estrada da Furiosa

Ainda não li nenhuma crítica ao Furiosa que não fale de Fury Road. Até eu, ao dizer que não li nenhuma crítica ao Furiosa que não fale de Fury Road estou a falar de Fury Road. E esta apendicite pode de alguma forma prejudicar um filme que se serve bem sozinho. Vira o disco e toca outra merda completamente diferente: outro tom, outro ritmo. Miller agarra numa figura cheia de carisma e oferece-lhe um era uma vez; o épico arriscado que ela merecia. Num cenário tão rico em personagens que parece que nunca saímos da luxuriante floresta. O Pedro (Cinemaxunga) a meio do filme disse-me que aquela trupe só podia mesmo existir ali, e de facto é verdade. Há tanta energia e tanta cor nesta malta que qualquer um deles nos podia levar pela mão aos recantos da Wasteland: desde a Mary Jabassa (a mãe de Furiosa), passando pelo  Praetorian Jack (beijaria), até ao Scrotus (o outro filho de Imortan Joe) ou a Elsa Pataky em dose dupla. Esta segurança, onde qualquer um pode assumir o volante e seguir noutra direção, torna esta saga num objeto único. Especial e imersivo, onde, sem travões, temos a certeza de que não nos iremos perder. 

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Acho importante o novo Governo ter mantido estes pontos de saída da Matrix. 
Sempre dá para ir jantar a Zion de vez em quando.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

La La Garland

[SPOILERS] Aos vinte minutos de filme, já depois da viagem ter começado, pensei - Ah de certeza que no final a jornalista veterana falece e a novata regista o momento. Depois esbofeteei-me. Não sejas parvo Miguel, é o Garland caralho. Não é um tarefeiro qualquer. É claro que ele vai procurar outro caminho. É claro. É claro que não. E saltando essa barreira da expectativa autoral, encharcadinhos de previsibilidade, podíamos ter esse mesmo final se existisse uma construção/ligação entre essas duas personagens. Era necessário sentir a transformação, a energia de uma que se esgota em prol da metamorfose da outra. Falta tempo, falta química. Os diálogos pouco trabalhados e as decisões artísticas guiadas pelo manual - como as fotografias a preto e branco - também não ajudam a que se possa encontrar um espaço distinto. Gosto muito do lado da reportagem, de irmos de momento em momento, de relato em relato, com uma cinematografia incrível (o tal verde garlandiano a espaços, o que eu procurava a espaços). Mas sinto que o filme nunca se encontra, entre os horrores da guerra, a adrenalina da profissão, o conflito de gerações, a crítica política, o valor da imagem. Tudo tem lugar mas nada realmente assina e se deixa assinar. 

quarta-feira, 29 de maio de 2024

O bocadinho que falta

Estávamos à espera das salsichas do Carlos. Ali sentados, banco de entrada do Passos Manuel*, num dos momentos de pausa do Nalgas Film Festival 2023. Enquanto os cachorros que o nosso mais que tudo assegurou não chegavam, discutia com o António (Segundo Take) as potencialidades socioeconómicas do glamping em zonas despovoadas do país. Não discutia nada, falávamos de cinema, claro. Do último Indiana Jones e de como a pressa se apoderou do blockbuster. Filmes a correr que nunca mais chegam ao fim. Há um momento em particular neste Marcador do Destino, logo ao início quando o Indy em CGI cai de um penhasco com o Capote, em que na cena a seguir vemos a superfície da água. Para que o momento resultasse era preciso aquele impasse. É claro que todos sabemos: ninguém morreu. Mas esses segundos fazem parte do engenho e do espaço; é vital ficarmos naquele tique-taque da espera. Mas não, esse interlúdio de ar fresco é cortado, e assim que vemos o local da queda eles voltam à tona. 

Nisto chegámos ao Speed, não por faltar um bocadinho, neste caso de autoestrada, mas porque o tinha revisto recentemente. Apanhei-o na televisão, nessa mesma cena em que todos percebem que falta um pedação de asfalto. E é maravilhosa, uma métrica cinematográfica frenética mas que nos engole com calma em todos os seus passos. Eles aproximam-se naquele carrito, falam com o Keanu, transmitem-lhe as más notícias e depois afastam-se. Nesse afastar, percebemos que estamos sozinhos. Percebemos que estamos mesmo naquele autocarro e que vamos mesmo ter de dar o salto com aquela malta. 30 anos depois continuo a vibrar como se fosse a primeira viagem. Não sou o único. O Stuckman grava uma bonita carta de amor à obra, onde estabelece uma interessante teoria sobre a força dos filmes de ação dos anos 90. 

Sim, mais uma lamúria que escapou à polícia da saudade. Mas é também forma de celebrarmos os nossos filmes e de encontrarmos caminhos para uma nova velocidade.

*uma sala de cinema com um pequeno bar e não um bar com uma pequena sala de cinema.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Popular entre os amigos

Gosto sempre de um filme onde as personagens para parecerem mais velhas cortam o cabelo. Nova: cabelo longo. Dez anos mais velha: cabelo curto. Obviamente. E já que comecei com a rapariga, enterro aqui a minha espada da embirração; tens toda a minha atenção Zendaya. Papel seguríssimo, a ligar esta grupeta à corrente, com gozo, estilo e sexo. Figura ainda mais curiosa, e complexa, porque opera numa relação que não é (nem nunca foi) dela. A morder e a pressionar para que o ténis se reencontre neles. E os confrontos - ou os momentos da grande partida - vão ficando cada vez mais arrojados até ao final onde na câmara já vale tudo. 

Para além disso, a juntar à ingenuidade e destrambelho, temos o início do Blade, da discoteca, só que em todas as cenas. Olá boa tarde, era um café e um copo de ág....MÚSICA DA KADOC...Então que tal correu o teu d....MÚSICA DA KADOC. Quase que apetece ir ao bar e pedir um vodca laranja. Mas na verdade, e o cinema tem destas coisas, tudo resulta. Uma tempestade - como aquele momento dos papéis a voar - um ziguezague narrativo - como a bola cá e lá - que se juntam num conjunto charmoso, vibrante e magnético.