Não
é tarefa fácil entrar na televisão com Stanley Kubrick. São linhas demasiado
rectas, as que se desenharam sobre a grande tela e fizeram dela sua história.
Cineasta de corpo inteiro, à experiência única da sala pública, aberta, fechada
para cada um provar no escuro o seu enorme travo, a sua doce genialidade. Assim,
falar do pequeno écran de forma directa, usando nome e apelido, reduz as hipóteses
para nunca feitos ou terceiros. Os da gaveta já aqui foram sacados: Napoleon, God Fearing Man e Downslope,
ideias que nunca conseguiram fugir das folhas e que agora ameaçam voltar, com
outra visão. A primeira é minissérie endereçada a Steven Spielberg, na
produção, com rumores correntes da casa HBO e Baz Luhrman atrás das câmaras. A
segunda e terceira são produções da Entertainment One, minissérie e telefilme,
respectivamente. Para eternamente se discutir, que nem ursinho Teddy, como
teria sido, o que é dele e o que não é, o que é laranja e o que é vermelho. Sobram-nos
os outros, a não suposição da visão mas o desdém da mesma, e nesse instante vaivém,
de novo, até ao passado.
Vamos fazer justiça
No
início de Before Sunset um
jornalista pergunta a Jesse (Ethan Hawke) se o livro que escreveu é
autobiográfico. Ele responde com a questão: não será tudo autobiográfico? De
facto nada do que damos se pode dissociar do património de vivências. História,
a nossa que tão orgulhosamente (e involuntariamente) sabemos aproveitar. Talvez
tenha sido esta a maior ferida, não a do trabalho, mas a da vida. Stephen King
iluminou-se e inspirou-se, quando, em 1974 ficou alojado com a sua esposa no
The Stanley Hotel, em Estes Park, Colorado. Eles eram os únicos hóspedes e o hotel
ia encerrar no dia seguinte devido ao período de inverno. Ao percorrer os
corredores vazios, ecoando ideias a cada passo, percebeu que este seria o local
ideal para uma história de fantasmas. Sonhou com o grande edifício, o seu
pequeno filho no meio das portas escondidas e objectos que de repente ganham
vida. Ao sair de lá, no dia seguinte, tinha o livro instalado e disposto a
nascer. Outro vértice latente da vida do escritor foi a sua luta contra o
alcoolismo, que estava pronta, também ela, a ser contada. Três anos depois sai
este volume de si, um enorme sucesso por todo o lado, um clássico literário do
terror que viria então a ser adaptado, anos mais tarde (1980), por outras mãos.
E o que viu, não foi a cria que tinha tão arduamente criado. King não gostou da
adaptação que Stanley Kubrick fez da sua obra. Fria, acusou-a de esquecer os
personagens, de não conseguir desenhar a espiral da loucura necessária para
realmente assustar. E nos agarrar pela garganta. Era outro a contar um episódio
que só nós vimos. Depois da polémica, das críticas, surgiu em 1997 a resposta
final. Confiante que tinha palma para nos agarrar o pescoço decide nessa altura
dar descanso a esta guerra e mostrar a todos os fãs como seria aquilo que ele
viu quando escreveu. Dar à sua obra a adaptação que ela merecia. Com o controlo
total da odisseia, escreveu e produziu esta minissérie dividida em 3 episódios
de 90 minutos. Sim, não são duas, não são três, mas sim quatro horas e meia de
The Shining. Bem ou mal passadas? Bem, é isso que vamos descobrir.
Texto publicado na Take 34
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