segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O legado de Harold


Sofá, pós jantar, Masterchef. Um dos cozinheiros do júri, ao falar do candidato, destacava o seu toque, aquela marca inata no carinho com que manuseava os alimentos. Um respeito que se converte em graciosidade, cuidado, numa espécie de bolha. Jason Reitman cozinhou este Ghostbusters: Afterlife com essa mão, esse detalhe de quem realmente está a continuar uma longa ceia de natal. A família, foco na família, e de facto a coisa resulta. Há um arranque muito sólido nessa nova vida, nessas novas vidas: personagens com quem queremos estar. E Mckenna Grace assume o filme que nem gente grande, com uma Phoebe inesquecível, muito do corpo, dos jeitos, cheia de humor (aquela piscadela de olho!) e personalidade. Acompanhada por um valente Logan Kim, na dupla mais consistente e a que mais naturalmente veste o fato de Caça-Fantasmas. Juntos, para desenrolar um mistério num cenário totalmente novo. A mansão, as plantações, a montanha, a grande planície, é tudo tão palpável, tão bonito: há um plano numa perseguição, numa estrada deserta, que é dos frames mais emolduráveis deste  ano. Ver assim estes grandes espaços, o Ecto-1 a fugir da multidão e a libertar-se rumo ao pôr do sol é uma sensação do caraças. Deu-me o conforto de um caminho velho, porém a trilhar o desconhecido. Agora, porque não é só farra, vamos lá questionar algumas amarras: 

Poderia o drama ter sido explorado de outra forma? Talvez sim, talvez pudesse existir outra intensidade no trio familiar, no modo como esta nova etapa os fez crescer, superar os medos, lá está, os fantasmas. The Visit é um bom exemplo de um tratamento consistente do género. Ghostbusters nunca precisou de dramas ou lições é certo mas este lado mais realista do Reitman filho se calhar precisava de uma outra demão.

Poderia a história ter sido mais original? Se calhar sim, fico confuso. É inevitável recordar The Force Awakens ou Jurassic World mas não sei sinceramente, se nestas sequelas/reboots, que aparecem décadas depois, haveria outra forma de fazer as coisas. Ou melhor: era possível produzir hoje uma sequela do The Goonies sem os Fratelli? Se calhar sim, se calhar não. É difícil distinguir o que é perene e o que é caduca. Especialmente quando temos as gerações antigas a dizer adeus e as novas a chegar; despedidas, boas vindas, tem de haver um equilíbrio. Sim o terceiro acto pareceu-me um pouco martelado/apressado - senti falta de um caos Gremliano na aldeia, por exemplo - mas no seu todo é uma casa de alicerces novos, seguros e bem definidos. 

Harold Ramis faria ontem 77 anos. E uma coisa que sempre me transpareceu, especialmente agora ao rever os dois primeiros filmes e o documentário, é que ele se divertia. Um entusiasta, com um gozo eletrizante naquilo que contava e isso contagiou a saga . Não são obras complexas ou preocupadas mas são aventuras que sabem escrever na parede um número a quem ligar, erguer uma tela para onde fugir, sonhar. E sem ser perfeito, Ghostbusters: Afterlife está de novo lá para atender a chamada. 

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