domingo, 23 de novembro de 2014

Longa vida à série! (Parte 1)

Unidade, tamanho pesadelo de qualquer história. Nenhuma série, no seu perfeito juízo, pretende durar apenas um. Um episódio, uma temporada, um sopro. A continuidade, por mais ilógica que seja é sempre um caminho apetitoso. Temos mais ideias, ideais, interesses, para contar a outrem. Criança nossa, com a vida toda lá à frente. E com os crescentes aumento e acesso à ficção televisiva, a crueldade do machado parece-nos descomunal. Não é, trata-se somente do ecossistema a responder a um fluxo diferente de informação e entretenimento, criando de novo um equilíbrio. Voltando à estabilidade. Mas o que faz uma série prevalecer em detrimento de outra? Darwin és tu? Ou apenas um conjunto diverso e único de factores que determinam os anos, naqueles anos? Difícil a resposta, cheia de complexas teias e argumentos, fórmulas e feitiços. No meio de tanta, ou tão pouca, vida, recuámos até 1994 e a algumas séries emblemáticas que aí nasceram, esticando a régua do tempo e contando até onde foram. No final voltamos às questões.

1 – My So-Called Life

É contraditório, mas também é um facto, que baixa longevidade contribui para o aumento do culto. Quanto mais pequenas e injustiçadas, mais amadas ad aeternum. Produtos muito especiais, dentro mas fora da caixa, têm sempre corridas e tarefas complicadas, podendo, muitas vezes, serem interrompidos ao fim da primeira volta. Também há os detestáveis e o amável favor que nos fazem. Mas nestes casos não, não houve o tempo nem para melhorar nem para piorar. Ficou aquele bloco, para ser viso e revisto, ouvido e debatido, quem nem pequena arca do tesouro. Assim My So-Called Life, drama adolescente que fugia ao estereótipo da idade e que se apresentava adulto e cru. Para a adolescência. Como o título original tão bem exemplificava (cá em Portugal era o pacóvio Que Vida Esta!) contava-se a história daquelas idades, de uma coisa a que os adolescentes chamam de vida, perante as indecisões, confusões, a violência de mutar. Claire Danes, antes das carantonhas de Homeland, antes de ser estrela ou Julieta, era Angela Chase, uma adolescente numa série de círculos, à procura da identidade. Valeu-lhe, com 15 anos, o Globo de Ouro para Melhor Actriz. Apesar de amplamente elogiada pela crítica, a série da ABC teve vida e concorrência difícil, sobrevivendo apenas 19 episódios. Para a posterioridade fica gravada em dezenas de textos, imagens, tops, desde a melhor de sempre até à cancelada cedo de mais, e recordes, como aquela que teve a primeira campanha online de salvação por parte dos fãs. Em 1999 foi lançado um livro, intitulado My So-Called Life Goes On, que dava seguimento à vida, deixada em aberto. Porém é certo, que o futuro será sempre aquele presente na mente e nos fóruns dos que não esquecem.

4 – Babylon 5

Estrelas, tão quietas no nosso céu, tão fugazes no televisor. Qualquer noite estrelada nos sossega a pressa, refastelados em longas cadeiras, Verão talvez. Mas quando voltamos para dentro e volvemos ao repouso, a corda sobe ao pescoço. O aperto começa e se queremos viajar para longe, Grupo Local ou ainda mais para lá, onde de nada sabemos e a imaginação é razão, então temos de estar preparados para a dor. Sufoco. Amar uma série de ficção científica pura e dura é puro e duro. Objectos não muito comuns, caros e carregados de mitologia, de novos apontamentos que tentam desesperadamente um dia ser livro. E nós leitores assíduos. Hoje séries como Defiance mantêm a (pequena) chama acesa, e outras como Extant e The 100 mostram-se como sobreviventes variações do género. Pouco mais resiste aos vampiros, zombies e apocalipses. Vida curta ao espaço. Porém há excepções, sagas que vivem exactamente o que devem viver e, para além de Battlestar Galactica (de 2004) e Star Trek, Babylon 5 foi a única série de ficção científica americana a conseguir cumprir o seu calendário sem ser cancelada. Teve as previstas 5 temporadas que correram durante 4 anos, mas a estação espacial, que dava nome à série e tentava assegurar a paz e diplomacia, estendeu-se para o spin-off (Crusade), para os telefilmes, para o culto, para o infinito. E agora, como as outras duas comparsas de género, vai ter versão cinematográfica. J. Michael Straczynski anunciou recentemente que não desistiu, e que os fracassos passados resultaram em conquista: o guião estará pronto para um lançamento do filme em 2016, reboot da série original.

6 – Party of Five 

Entre nós e o instantâneo, existia normalmente, um intervalo. Uma série nova e fresquinha na TVI, era uma série que já lutava por alguma coisa no seu país de origem. Longamente indeferido mas também amplamente na ignorância. Não existia outra forma, de tal modo que uma novidade era em mim um bicho novo, ponto. Uma televisão independente e jovem, dona dos também jovens X-Files (estrearam em 1993 e por cá no ano seguinte), apostava então (1996) em Party of Five. Era um mundo diferente e eu de mochila, VHS e horas marcadas. Sofá e Suchard Express. O drama pretendia ir do adolescente ao adulto, enquanto nos era contada a história de cinco irmãos, os Salinger, que de um momento para o outro perdem os pais num acidente automóvel. Têm a partir desse momento de enfrentar o lá fora, completamente sozinhos, daí a tal festa dos cinco, cá entre nós eram Adultos à Força. Com o arranque difícil, a série da FOX andou com os nervos em franja, a audiência baixa assustava e ditava um possível cancelamento. Porém, em 1996, durante a sua segunda temporada, ganha o improvável Globo de Ouro para Melhor Série Dramática. Aguentou-se durante 142 episódios, 6 temporadas, 6 anos, cancelada em 2000. Foi porta de lançamento para um conjunto de jovens atores, como Neve Campbell (Scream), Mathew Fox (Lost), Scott Wolf (V) e Jennifer Love Hewitt (Ghost Whisperer) que chegou mesmo a ter um spin-off intitulado Time of Your Life, onde a personagem que interpretava, Sarah, ia para Nova Iorque à procura do seu pai biológico. Foi cancelada a meio da sua primeira temporada. Quanto a Party of Five, ainda hoje é lembrado como o “grande drama esquecido dos anos 90” e um modo de interpretar o género que morreu ali.

Texto publicado na Take 1994

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