Personagens
Passando
do tijolo para a célula, encontramos então um núcleo duro de três personagens,
como no filme. Porém, tão diferentes que poderíamos realmente estar a falar de
uma outra família. Jack Torrance, encarnado por Steven Weber, é um alcoólico em
recuperação que vê neste emprego de guarda a sua derradeira oportunidade de
endireitar a sua vida. O alcoolismo tem um papel importantíssimo na narrativa,
que o aborda com telefonemas para o seu tutor, tentações à porta de um bar e mesmo
uma reunião dos alcoólicos anónimos. Há uma parte significativa de preparação
antes do próprio hotel, onde temos direito a um passado violento sobre a
família, em especial sobre o seu filho. O álcool, grande monstro, enorme
justificativa da transformação. Pois Torrance é um homem normal, um pai de
família, que vê os seus demónios virem ao de cima sob a forma do copo. Não é
loucura por loucura – como tão inexplicavelmente, de forma muito mais certeira,
Nicholson nos trazia – é a recaída que despoleta o confronto final. A interpretação
(excessiva) de Weber – em parte devido à extensão da série – soluça
repetidamente, não havendo uma descida progressiva e coerente aos infernos. E a
redenção final, onde se sacrifica pelos seus, é o adeus para toda a família que
Kubrick esqueceu. Claro que King também se esqueceu, do terror e da overdose
melodramática que essa despedida impregnou. Salvam-se os outros. Quem são?
Danny, o seu filho, trazido por Courtland Mead, actor criança excessivo e
irritante que mais parece saído de qualquer filme da saga Problem Child. Em vez dos silêncios, dos olhares vazios, temos
conversa e conversa e conversa. Sempre a dar uso do seu poder de clarividência
e a avisar, alternando entre momentos de calma – está tudo bem vamos ficar aqui
– com alturas de pânico – temos de fugir o mais rapidamente possível. Não há
espaço para nos interrogarmos. O próprio Tony, em vez de um dedo, é um
adolescente flutuante que continuamente profetiza a tragédia. Menos é mais.
Ainda para mais no final, temos direito a um Danny universitário e aí
percebemos que Tony era uma versão sua do futuro. A ida ao quarto 217 – sim 217
– é o melhor momento da série, mas fica-se aí por um momento. Saltando para o
seu amigo que também brilha, Hallorann (Melvin Van Peebles, sim o pai do Mario),
a perspectiva é toda ela mais leve e forçada. Menos misteriosa e pesada. Tintim
por tintim, sobre aquilo que eles são capazes e depois abandona o miúdo. Para
no final regressar e salvar o dia. Não morre, não leva com o machado [aqui não
há machado, é um taco de croquet]. Por fim Wendy, uma Rebecca De Mornay anos
90, com as calças de ganga até ao umbigo e atitude mais ativa no rumo de todos
os acontecimentos. Uma das (muitas) acusações ao filme foi a inépcia da sua
esposa (Shelley Duvall), a sua postura submissa, que apenas gritava e corria de
um lado para o outro. O professor King corrigiu e ofereceu uma esposa mais
protectora, interventiva e decisiva nos acontecimentos finais. Talvez o melhor
papel no meio de toda esta embrulhada.
Texto publicado na Take 34
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