terça-feira, 29 de abril de 2014

The Shining: a longa minissérie (3)



Personagens

Passando do tijolo para a célula, encontramos então um núcleo duro de três personagens, como no filme. Porém, tão diferentes que poderíamos realmente estar a falar de uma outra família. Jack Torrance, encarnado por Steven Weber, é um alcoólico em recuperação que vê neste emprego de guarda a sua derradeira oportunidade de endireitar a sua vida. O alcoolismo tem um papel importantíssimo na narrativa, que o aborda com telefonemas para o seu tutor, tentações à porta de um bar e mesmo uma reunião dos alcoólicos anónimos. Há uma parte significativa de preparação antes do próprio hotel, onde temos direito a um passado violento sobre a família, em especial sobre o seu filho. O álcool, grande monstro, enorme justificativa da transformação. Pois Torrance é um homem normal, um pai de família, que vê os seus demónios virem ao de cima sob a forma do copo. Não é loucura por loucura – como tão inexplicavelmente, de forma muito mais certeira, Nicholson nos trazia – é a recaída que despoleta o confronto final. A interpretação (excessiva) de Weber – em parte devido à extensão da série – soluça repetidamente, não havendo uma descida progressiva e coerente aos infernos. E a redenção final, onde se sacrifica pelos seus, é o adeus para toda a família que Kubrick esqueceu. Claro que King também se esqueceu, do terror e da overdose melodramática que essa despedida impregnou. Salvam-se os outros. Quem são? Danny, o seu filho, trazido por Courtland Mead, actor criança excessivo e irritante que mais parece saído de qualquer filme da saga Problem Child. Em vez dos silêncios, dos olhares vazios, temos conversa e conversa e conversa. Sempre a dar uso do seu poder de clarividência e a avisar, alternando entre momentos de calma – está tudo bem vamos ficar aqui – com alturas de pânico – temos de fugir o mais rapidamente possível. Não há espaço para nos interrogarmos. O próprio Tony, em vez de um dedo, é um adolescente flutuante que continuamente profetiza a tragédia. Menos é mais. Ainda para mais no final, temos direito a um Danny universitário e aí percebemos que Tony era uma versão sua do futuro. A ida ao quarto 217 – sim 217 – é o melhor momento da série, mas fica-se aí por um momento. Saltando para o seu amigo que também brilha, Hallorann (Melvin Van Peebles, sim o pai do Mario), a perspectiva é toda ela mais leve e forçada. Menos misteriosa e pesada. Tintim por tintim, sobre aquilo que eles são capazes e depois abandona o miúdo. Para no final regressar e salvar o dia. Não morre, não leva com o machado [aqui não há machado, é um taco de croquet]. Por fim Wendy, uma Rebecca De Mornay anos 90, com as calças de ganga até ao umbigo e atitude mais ativa no rumo de todos os acontecimentos. Uma das (muitas) acusações ao filme foi a inépcia da sua esposa (Shelley Duvall), a sua postura submissa, que apenas gritava e corria de um lado para o outro. O professor King corrigiu e ofereceu uma esposa mais protectora, interventiva e decisiva nos acontecimentos finais. Talvez o melhor papel no meio de toda esta embrulhada.

Texto publicado na Take 34

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