Cinema Animal é a nova rubrica do Créditos Finais. Sem maçar, trata-se
de um desafio proposto a três ilustres da blogosfera nacional, onde eu
digo o animal e eles o filme. Basicamente é isto. Assim eu pergunto CROCODILO. Ao que vocês respondem...
Sofia Santos
Sofia Santos
Caríssimo Miguel, obrigado por me fazeres pensar. É sempre bom receber um convite para participar num desafio que ultrapassa a barreia do “filme favorito”, “filme da tua vida” ou qual o “filme que gostas mais de ver quando estás no primeiro dia da ovulação”, ou ainda, qual é o melhor filme para ver no sábado de madrugada depois de teres bebido 5 orgasmos (entenda-se por orgasmo – bebida/shot).
O animal que me calhou foi o CROCODILO. Estudei um ‘cadinho sobre crocodilos quando em Pré-História falámos de fósseis vivos. E lembro-me perfeitamente que foi nessa aula que descobri a verdadeira ordem animal a que a minha vizinha da frente pertence – não faz parte da classe dos répteis, mas sim dos fósseis vivos.
Crocodile Dundee teria sido a escolha mais fácil e ficava logo despachada com 5 linhas, mas não me apetece. Gosto de vos expor à tortura. Assim, o Miguel Ferreira disse crocodilo e eu digo The Paperboy.
Vi The Paperboy num visionamento de imprensa às 10h da manhã. Aposto que quando Lee Daniels fez o filme, certamente não teve em mente que alguns comuns mortais iam estar a ver este filme numa manhã durante a semana. Por vários motivos: porque de manhã ninguém consegue dar a atenção necessária aos abdominais de Matthew McConaughey, porque ficamos desconcertados para o resto do dia ao ver Nicole Kidman a masturbar-se, porque temos que admitir que Zac Efron é um miúdo bonito. Mas foi sobretudo difícil ver o filme de manhã, porque saímos do cinema com vontade de tomar banho.
É que nos cerca de 100 minutos de filme, o calor húmido e irrespirável de Luisiana é uma personagem principal. Corpos suados, roupas molhadas e pântanos impregnados de Alligator mississippiensis – que segundo informa a wikipédia são uma espécie de caimões que existe apenas nesta região sudeste dos Estados Unidos.
Neste filme, John Cusack é Hillary Van Wetter, um rude caçador de crocodilos que foi condenado à prisão por homicídio. A personagem de Cusack é perturbadora, mas a sua família não lhe fica atrás. Toda a família vive da caça aos crocodilos e a cena em que o primo, irmão ou tio (já não sei) estripa o crocodilo e a seguir massaja-lhe os intestinos é simplesmente repugnante. Das várias cenas perturbadoras que este filme tem, esta foi a que mais me marcou.
E pronto… gostava de ter escrito mais sobre crocodilos vivos, mas é dos mortos que mais me recordo. Infelizmente.
Carlos M. Reis
Cinema Notebook
Quando recebi o desafio do Miguel, o click instantâneo no meu cérebro apontou-me para a saga do meu velho amigo "Crocodile Dundee". Mas faltava quelque chose a esta escolha que acabaria por não honrar a criatividade desta iniciativa. Era simplesmente demasiado óbvio. Um número dois e um banho depois - nunca tal brejeirice num blogue rimou de forma tão perfeita - e eis que me lembrei de uma possível alternativa com alguma categoria. Faltava confirmar que a cena em questão metia mesmo crocodilos ao barulho e tal festim não era apenas fruto da minha imaginação, agora que deve fazer mais de uma década desde que vi o filme pela última vez. Google comigo e... bingo; sim, "Indiana Jones andthe Temple of Doom" tem mesmo uma cena fenomenal com crocodylidaes à mistura, confirma a Indianapedia (sim, Indiana Jones tem a sua própria enciclopédia).
Vamos a ela então: se não me engano, é mesmo perto do fim da fantástica aventura de Indy e Short Round (o meia-leca) contra o malévolo Mola Ram - quem consegue esquecer aquela careca vermelha, qual Iron Man do século passado -, numa ponte suspensa de madeira velha, uma que, contam alguns, Spielberg nunca ousou atravessar (ao contrário de Harrison Ford, que até corria e saltava na mesma), tendo assim que percorrer cerca de três quilómetros de jipe no Sri Lanka sempre que queria filmar na extremidade oposta. Encurralado no meio da ponte pelos homens de Mola Ram, todos armados até aos dentes com catanas maiores que eles próprios, Indiana Jones vê-se literalmente entre a espada e a espada. Também ele de catana em punho, decide fazer o impensável: enrolar bem os pés nas cordas da ponte e, zzzaaamm, cortar a ponte a meio, fazendo com que todos os maus da fita - na verdade, catorze bonecos cujos braços e pernas funcionavam a pilhas, para parecerem verdadeiros durante a queda - acabassem no meio do rio, despachados pela queda se tivessem sorte. Sim, porque os restantes acabaram a sofrer nas mandíbulas de crocodilos esfomeados - curiosamente, num lago qualquer na Flórida e não no Sri Lanka. Pormenor de gén... Spielberg? Encheu as cordas da ponte com areia para causar um arrastamento genial na imagem aquando da queda da ponte. E é isto. Chega, que agora fiquei com uma vontade louca de rever a trilogia - sim, o quarto filme dispenso revisionamento.
Naquele que será o filme mais existencialista de todos os tempos dedicado à Segunda Guerra Mundial, A BARREIRA INVISÍVEL tem, na sua primeira imagem, o vulto de um crocodilo, espadaúdo e com ameaçador esgar, a deslizar para um lago de água esverdeada e opaca.
Fora de contexto e dos pressupostos do espectador, tal visão parece deslocada no seio de um título sobre a Batalha de Guadalcanal. É, então, que escutamos uma personagem, em voz-off, a murmurar a questão “Que guerra é esta no coração da Natureza?”
Mais do que um mero filme de guerra dramático em torno das suas personagens e respectiva sobrevivência no campo de batalha, a escolha de Terrence Malick em abrir o filme com esta imagem estabelece uma temática metafísica sobre o papel do ser humano no mundo natural: um lugar de caos, predação e sofrimento, que em A BARREIRA INVISÍVEL assume estatuto de genuíno adjectivo para espiritualidade.
O facto de o argumento afastar-se do registo histórico – os motivos da acção militar representada nunca são explanados, tampouco se ouve o termo “Guadalcanal”, durante todo o filme – está em linha com os propósitos existenciais de Malick. A própria insignificância da guerra é ampliada pela forma como a Natureza é aqui fotografada: desde a imensa paisagem verde que serve de palco a uma carnificina gerada por pura e simples disputa territorial até à dualidade presa/predador avocada pela vida animal, a Humanidade demonstra-se reduzida a um conjunto de indivíduos que monologa, incessantemente, sobre amor e infidelidade, passado e presente, inocência e dolo, vida e morte.
O crocodilo surgirá novamente, apenas por uma vez, no filme. Desta feita, como troféu de guerra, amarrado e receoso, para soldados norte-americanos prestes a reclamar vitória em Guadalcanal, numa composição de inegável carga simbólica. Mas este apoderamento da Humanidade empalidece pela aparente iminência do réptil dilacerar as cordas que o prendem a qualquer momento e, rapidamente, expulsar do seu habitat aquele invasor homo sapiens sapiens. Ou a perfeita metáfora (no cômputo geral, trata-se da mensagem do próprio filme) de que o Homem, face à Natureza, estará sempre envolvido numa guerra de onde nunca possuirá domínio.
O animal que me calhou foi o CROCODILO. Estudei um ‘cadinho sobre crocodilos quando em Pré-História falámos de fósseis vivos. E lembro-me perfeitamente que foi nessa aula que descobri a verdadeira ordem animal a que a minha vizinha da frente pertence – não faz parte da classe dos répteis, mas sim dos fósseis vivos.
Crocodile Dundee teria sido a escolha mais fácil e ficava logo despachada com 5 linhas, mas não me apetece. Gosto de vos expor à tortura. Assim, o Miguel Ferreira disse crocodilo e eu digo The Paperboy.
Vi The Paperboy num visionamento de imprensa às 10h da manhã. Aposto que quando Lee Daniels fez o filme, certamente não teve em mente que alguns comuns mortais iam estar a ver este filme numa manhã durante a semana. Por vários motivos: porque de manhã ninguém consegue dar a atenção necessária aos abdominais de Matthew McConaughey, porque ficamos desconcertados para o resto do dia ao ver Nicole Kidman a masturbar-se, porque temos que admitir que Zac Efron é um miúdo bonito. Mas foi sobretudo difícil ver o filme de manhã, porque saímos do cinema com vontade de tomar banho.
É que nos cerca de 100 minutos de filme, o calor húmido e irrespirável de Luisiana é uma personagem principal. Corpos suados, roupas molhadas e pântanos impregnados de Alligator mississippiensis – que segundo informa a wikipédia são uma espécie de caimões que existe apenas nesta região sudeste dos Estados Unidos.
Neste filme, John Cusack é Hillary Van Wetter, um rude caçador de crocodilos que foi condenado à prisão por homicídio. A personagem de Cusack é perturbadora, mas a sua família não lhe fica atrás. Toda a família vive da caça aos crocodilos e a cena em que o primo, irmão ou tio (já não sei) estripa o crocodilo e a seguir massaja-lhe os intestinos é simplesmente repugnante. Das várias cenas perturbadoras que este filme tem, esta foi a que mais me marcou.
E pronto… gostava de ter escrito mais sobre crocodilos vivos, mas é dos mortos que mais me recordo. Infelizmente.
Carlos M. Reis
Cinema Notebook
Quando recebi o desafio do Miguel, o click instantâneo no meu cérebro apontou-me para a saga do meu velho amigo "Crocodile Dundee". Mas faltava quelque chose a esta escolha que acabaria por não honrar a criatividade desta iniciativa. Era simplesmente demasiado óbvio. Um número dois e um banho depois - nunca tal brejeirice num blogue rimou de forma tão perfeita - e eis que me lembrei de uma possível alternativa com alguma categoria. Faltava confirmar que a cena em questão metia mesmo crocodilos ao barulho e tal festim não era apenas fruto da minha imaginação, agora que deve fazer mais de uma década desde que vi o filme pela última vez. Google comigo e... bingo; sim, "Indiana Jones andthe Temple of Doom" tem mesmo uma cena fenomenal com crocodylidaes à mistura, confirma a Indianapedia (sim, Indiana Jones tem a sua própria enciclopédia).
Vamos a ela então: se não me engano, é mesmo perto do fim da fantástica aventura de Indy e Short Round (o meia-leca) contra o malévolo Mola Ram - quem consegue esquecer aquela careca vermelha, qual Iron Man do século passado -, numa ponte suspensa de madeira velha, uma que, contam alguns, Spielberg nunca ousou atravessar (ao contrário de Harrison Ford, que até corria e saltava na mesma), tendo assim que percorrer cerca de três quilómetros de jipe no Sri Lanka sempre que queria filmar na extremidade oposta. Encurralado no meio da ponte pelos homens de Mola Ram, todos armados até aos dentes com catanas maiores que eles próprios, Indiana Jones vê-se literalmente entre a espada e a espada. Também ele de catana em punho, decide fazer o impensável: enrolar bem os pés nas cordas da ponte e, zzzaaamm, cortar a ponte a meio, fazendo com que todos os maus da fita - na verdade, catorze bonecos cujos braços e pernas funcionavam a pilhas, para parecerem verdadeiros durante a queda - acabassem no meio do rio, despachados pela queda se tivessem sorte. Sim, porque os restantes acabaram a sofrer nas mandíbulas de crocodilos esfomeados - curiosamente, num lago qualquer na Flórida e não no Sri Lanka. Pormenor de gén... Spielberg? Encheu as cordas da ponte com areia para causar um arrastamento genial na imagem aquando da queda da ponte. E é isto. Chega, que agora fiquei com uma vontade louca de rever a trilogia - sim, o quarto filme dispenso revisionamento.
Naquele que será o filme mais existencialista de todos os tempos dedicado à Segunda Guerra Mundial, A BARREIRA INVISÍVEL tem, na sua primeira imagem, o vulto de um crocodilo, espadaúdo e com ameaçador esgar, a deslizar para um lago de água esverdeada e opaca.
Fora de contexto e dos pressupostos do espectador, tal visão parece deslocada no seio de um título sobre a Batalha de Guadalcanal. É, então, que escutamos uma personagem, em voz-off, a murmurar a questão “Que guerra é esta no coração da Natureza?”
Mais do que um mero filme de guerra dramático em torno das suas personagens e respectiva sobrevivência no campo de batalha, a escolha de Terrence Malick em abrir o filme com esta imagem estabelece uma temática metafísica sobre o papel do ser humano no mundo natural: um lugar de caos, predação e sofrimento, que em A BARREIRA INVISÍVEL assume estatuto de genuíno adjectivo para espiritualidade.
O facto de o argumento afastar-se do registo histórico – os motivos da acção militar representada nunca são explanados, tampouco se ouve o termo “Guadalcanal”, durante todo o filme – está em linha com os propósitos existenciais de Malick. A própria insignificância da guerra é ampliada pela forma como a Natureza é aqui fotografada: desde a imensa paisagem verde que serve de palco a uma carnificina gerada por pura e simples disputa territorial até à dualidade presa/predador avocada pela vida animal, a Humanidade demonstra-se reduzida a um conjunto de indivíduos que monologa, incessantemente, sobre amor e infidelidade, passado e presente, inocência e dolo, vida e morte.
O crocodilo surgirá novamente, apenas por uma vez, no filme. Desta feita, como troféu de guerra, amarrado e receoso, para soldados norte-americanos prestes a reclamar vitória em Guadalcanal, numa composição de inegável carga simbólica. Mas este apoderamento da Humanidade empalidece pela aparente iminência do réptil dilacerar as cordas que o prendem a qualquer momento e, rapidamente, expulsar do seu habitat aquele invasor homo sapiens sapiens. Ou a perfeita metáfora (no cômputo geral, trata-se da mensagem do próprio filme) de que o Homem, face à Natureza, estará sempre envolvido numa guerra de onde nunca possuirá domínio.