domingo, 28 de maio de 2017

Idiotas com armas aos tiros


Estava a escrever e comecei logo a rir. Apetece esquecer minimamente a construção ou a repetição e cair no simplismo da dica apressada: vejam Free Fire. A rir, como os seus realizador e produtor, Ben Wheatley e Martin Scorsese, que falam da simplicidade e do "poder cinematográfico bruto de idiotas com armas". É isso: dois gangues que vão fazer uma troca de armas num armazém. Corre bem? Não, claro que não. E daí começa tudo aos tiros. É de mestre, tirar desta cartola um filme estupendo, mas é de facto. Despachado, diálogos hilariantes, grande pinta visual e interpretações tão energéticas que, a espaços, parece daquelas obras de infância, em que um grupo de malta, que gosta muito de cinema, se junta para fazer uma coisa. John Denver e o quebrar de parede final compõe um dos grandes ramalhetes do ano.

A extinção das aranhas


Às vezes, quando bate a saudade de um bom thriller, lembro-me de Shattered. Greta Scachi, Tom Berenger, um acidente, um gajo desfigurado. Um enleio. E talvez os apertos das prateleiras VHS lhe tenham dado um peso ainda maior, nesta minha cabecinha de puto encantado mas a verdade é que as teias se dissiparam. Onde estão estas obras simples de crime e mistério que nos davam a volta, ou que pelo menos tentavam. Onde estão? A resposta é Contratiempo, uma incrível surpresa aqui do lado, que usa o interrogatório como veículo para as histórias, confissões e suas versões. Muito com muito pouco. E pode não acertar sempre no alvo mas em toda a sua corrida emerge o desafio. Em prol do género, em prol das aranhas. 

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Os riscos da dieta vegetariana


Acho podia ficar a olhar para o poster o resto do dia. E Raw joga com isso. Com o inexplicável magnetismo da sua protagonista. Para além da cinematografia e da música, existe a carne que ela procura, nela mesma, fazendo os seus grandes olhos farol da nossa atenção. Reféns completos da figura, da sede, da fome. Incrível. Por outro lado a narrativa sofre em prol do sensorial, abdica e confunde, simplifica e atrapalha. Subtrai. E se somasse, talvez estivesse aqui das obras mais singulares de terror/transformação dos últimos anos.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

O feitiço do tempo, perdido


Ela é jovem. Ela é parva. E ela está presa no mesmo dia para sempre. Fixe. Ou melhor poderia ser, mas de facto é apenas bom engodo, o tal do peixinho guloso que afinal sabe a esferovite. Tentar dizer o que está mal com Before I Fall é quase tão inglório como tentar ensinar um aquecedor a falar. Infantil, mal editado, mal interpretado e refém de um preguiça estranha. É que já todos vimos liceus e premissas mais jovens bem fechadinhas, donas de uma simpatia natural. Aqui não, é tudo plástico, a própria narração da protagonista é desajustada à ação, é levarem-nos pela mão, mas a apertar muito. Para terminar no final mais fora de tom, e possivelmente traumático para quem estava a levar isto a sério, do ano que corre.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Descobrimentos


Amigos da xenomorfia, o que se segue contém bolinha e spoilers. Spoilers e bolinha. Por isso se estiverem com crianças ou quiserem ver Alien: Covenant virgens da silva o melhor é irem espreitar o Hollywood, está a acabar Os Três Mosqueteiros da Disney mas deve ir dar uma malha à altura. Ora bem, em relação a este último tomo no universo Alien, começo por dizer que carbonizar o James Franco nos primeiros minutos, sem lhe dar hipótese sequer de abrir a boca, é para mim, logo, uma estrela. Era ter o Seth Rogen ao lado e aos 10 minutos já íamos com duas. Uma maravilha ao nível do Santoro enterrado vivo no Lost. Depois desta "tragédia" seguimos então para a construção, viagem, da qual conhecíamos parte mas estávamos longe de visualizar o todo. Nisso o marketing aparentemente escancarado foi inteligente, guardando o mais importante para o dia. E se Scott respondeu às críticas, também as enfiou no cu desses nervosinhos insatisfeitos: a criatura acaba por ser o pretexto, o veículo da história de um outro "ser". Ele, a tentar ser, ele a ser o verdadeiro protagonista desta nova saga. David. É terror, ficção científica a todo o vapor, com todas as suas ferramentas para dizer e passar outra coisa. Sangue, tripas, queixos a voar, foda-se em qualquer outro lado já estávamos a levar com um Maiores de 12 há muito tempo. Eu não gostei do Prometheus mas reconheci a audácia e caí de beiços pela mitologia. Covenant corrige alguns problemas - ritmo, interpretações - conquistando outros claro, mas no final é um entretenimento que cumpre. Que tem uma ideia, e melhor, tem uma ideia que não era a nossa. Mostra-nos, para o bem e para o mal, uma oportunidade, um mundo novo, e nestes descobrimentos ganhamos sempre todos. 

Quem é esta menina?


terça-feira, 16 de maio de 2017

De quadro em quadro


Já aqui me confessei por Stories We Tell. Não tanto pelo estilo da oratória mas sim por aquilo que ela exige de nós. São histórias, muitas histórias, que se vão amassando num agregado enorme, amorfo. E para quem fica a forma? Lá está. Paula Rego, Secrets & Stories tem muito deste desafio, desta construção imagética que vem no bilhete, tudo a nosso cargo, de conto em conto, de ano em ano. É deste lado que se decide o quanto amar, como os seus quadros, formadores de opiniões e sentimentos. Cru, poético, indispensável.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Docinhos


Ainda não vi The Loved Ones. Se calhar vou ver hoje. Não vou nada, nem se calhar, nem ver, como se alguma vez, a esta altura da tarde não tivesse já a noite programada com rigor e intransigência. É um calendário complicado, mas para a semana prometo. Isto porque o mais recente de Sean Byrne - o segundo, ele só tem dois -  ao contrário deste, já foi. The Devil´s Candy é terrorzinho despachado, sem truques nem artefactos, utilizando in extremis a música e o seu vilão. Com volume, força e eficácia. Foda-se, quem nunca teve medo do Pruitt Taylor Vince que atire a primeira pedra.

Ele é o rei


Um bocado estranho, que tamanhas unhas de edição não consigam abrir conteúdo algum. Descolar qualquer sinal, de qualquer personagem. E uma coisa não engole a outra, pelo contrário, deveriam e poderiam ser parceiras. A montagem tem uma vontade fresca, arisca, de arriscar, requintada por uma cor e uns efeitos bestiais. Com frames no ponto, quase da pintura, como ele com a máscara e a espada. Mas depois, não há bate que bate, baque baque, são nomes de cartão que saltitam de um nenúfar para o outro, fugindo. E nós, assim, vamos também indo, desistindo.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Eu sou o Dune


Jodorowsky´s Dune é de facto definitivo. Achava exagerado, venderem-no como o derradeiro que nunca foi feito. Mas a questão é que foi. O seu Dune está todo ali, nos esboços, nos gestos, nas histórias. No entusiasmo, acima de tudo, o entusiasmo e o amor, aquele batuque, a agressividade a falar da devoção, de como se deve procurar o êxtase e de como a arte nos tem de - e pode - levar lá. É uma história, uma janela de ideias para um legado inacreditável que todos deviam procurar e abrir.

sábado, 6 de maio de 2017

10 anos


Calma malta, um de cada vez. Há beijinhos, bacalhaus e apertos de sobra. A própria cidade não se contém. Festa redonda, como o número de primaveras deste maroto, dez. Dez anos no bucho e lendo as efemérides passadas, não existe nada de verdadeiramente novo a ser dito. Vocês já sabem tudo, já aqui disse tudo e aqui continuarei a deixar tudo. À hora marcada, a entrar no carro e a voltar; um tempo à procura de outro. Os eus, constantemente às turras, na senda de consenso, sentido. O último episódio Nas Nalgas do Mandarim não podia vir em melhor altura porque nele habitam as mais sinceras raízes deste estaminé: as histórias, as histórias de cinema e o cinema das histórias. Contá-las, sempre. Obrigado companheiros.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Vamos lá colocar os óculos


Não devemos escravizar Dimension 404 com as correntes de Black Mirror. Até porque, parece-me depois de despachados dois episódios, que a série não quer esse fardo: pensar, projectar, não. É mais um batido levezinho daquelas garrafas e rótulos de eterna felicidade. Tudo misturado, bem referenciado, com as devidas vénias e inconsistências da juventude. Mesmo que essa narina se franza, basta cheirar a sinopse para abrir os braços. Eu li a do terceiro, um gajo qualquer, as pessoas esqueceram-se dos seus programas favoritos de televisão e depois há um viajante do tempo. Preciso pouco mais que isto para ser feliz, a caminho!

terça-feira, 2 de maio de 2017

Vamos falar daquele final?


Ficar nos créditos, naquela levitação, descompressão, de quem pensa encontrar no tecto qualquer abrigo, é, normalmente bom sinal. Aqui com uma música inacreditável, que te leva pela mão enquanto suspiras. Belíssima viagem, este Personal Shopper. Um conto de espectros, fantasmas e luto. Tão inspirador como desolador, tão para lá como cá, no corpo frágil de Stewart, que se entrega e se massacra, se veste à procura de paz. Entre as compras, as luzes e os comboios. Um simulacro do real resto, isto é se realmente restar algum real.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Até já há o "Get Out" Challenge


Quando o entusiasmo se concretiza, o chamado hype, só me apetece abraçá-lo, fazer-lhe festinhas e pedir-lhe desculpa. Enquanto aqueço um galão e volto a pôr as torradas para baixo. Get Out é real, muito longe das tusas do ano passado com Don´t Breathe, e muito perto do cagação. E lavados os pratos isso é que nos interessa. Obviamente, que o filme respira de uma inteligência técnica, na sua edição, e narrativa, no modo como conduz a crítica social, racial e política. Americana. Está tudo lá - talvez não fosse preciso estar tudo tão escancaradamente lá - mas para além do seu texto, vive um intenso e estupendo conto de horror. Com as pausas e tempos certinhos, resolução limpinha, mitologia semi-fresquinha, falta de ar quando nos afundamos e bolsas de oxigénio no arco cómico do seu amigo - que resulta surpreendentemente bem. Não fujam, este é à confiança, pago eu.

American Gods, Fuller, hoje, já


Muito se vai escrever. Expectativas, sangue, sexo, deuses. Nós. Muito se vai escrever mas o que interessa agora é que Fuller voltou. Aquele incrível que vai fazer do écran seu desenho, encher-nos das suas ideias e bombardear-nos com os seus pesadelos. Vital existir, como criativo, provocador e visionário. Ano vencedor portanto.