domingo, 30 de maio de 2021

Dentro desse lugar

Lembro-me de ver primeiro teaser de A Quiet Place Part II, com o grupo a caminhar e a Emily Blunt a dar aquele passo em frente, e pensar: epá tenho saudades desta malta. Acontece-me pouco, acordar para este tipo de afeto. Compromisso que Krasinski corajosamente mantém: uma sequela de e para aquela família; prática, segura e eficaz. A mãe e os seus dois filhos continuam a ser os olhos e os ouvidos da jornada, o que nos aproxima e afunda num cosmos que merece e que tem de ser visto no silêncio da sala de cinema. [SPOILERS] Este grau de dedicação faz-me gostar ainda mais desta continuação. Quando pensamos em segundas partes, somos sempre levados para o maior. Ampliar, devorar, carregar. Aqui não, todas as armadilhas do apocalipse - entrada em jogo do exército, grupos de outros sobreviventes ainda piores que as criaturas, micro sociedades que se conseguem erguer - ou são evitadas ou então apenas assinaladas como meras passagens. Porque a história é o íntimo, o reerguer e continuar a lutar, soberbamente ilustrado naquele final de irmãos, separados mas sintonizados, a assumir o papel que o pai tinha na crença de uma resistência. A adicionar ao núcleo, um Cillian Murphy em topo de forma, a levar-nos para as dinâmicas de The Last of Us - era tão bom que a futura série percebesse os espaços e o terror desta forma - e a integrar-se de uma forma tão bonita nestes nós. Por último, e porque  os últimos são sempre os primeiros, a cena inicial, o dia 1, uma aula de suspense, tempo, entretenimento e emoção. Obrigado caraças.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Os vampiros lá da terra

Desencabeçar um pouco dos lobisomens que isto a vida não é só lua cheia. Boys from County Hell limpa o palato ao apresentar um vampiro muuuuiiitooooo antigo. O primeiro dos primeiros, que inspirou os escritos e os contos, sediado por debaixo dum estranho monte de pedras, numa pequena aldeia irlandesa. O regressar a um (desconhecido) ponto de partida acaba por ser a parte mais aliciante da proposta; reformular com genica o sangue, a transformação, o sol. Então mas afinal? Pergunta um grupo de locais pouco afetuoso que tenta em simultâneo sarar feridas e estreitar laços. Apesar da secura eficaz do horror, senti falta da comédia, daqueles perlimpimpins de, lá voltamos ao mesmo, Um Lobisomem Americano em Londres.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Achocolatados paralelos

Há uns meses fui ao Aldi e no meio da confusão sovina comprei uma embalagem de Schovit, achocolatado em pó, 800 gramas. Horrível. E o pior é que nunca mais acabava, dia após dia, sem ver o fundo. Aconteceu, mas já passou. Como Paralell de Isaac Ezban , que vinha com um legado, um dever de nos encher o écran de sabor, criatividade e outras possibilidades. Era o enlace perfeito, só que afinal não. Com um argumento de outrem, somos entregues ao ensino básico do género, plano, planinho, sem nada a dizer nem a acrescentar. Perdeu-se todo aquele charme Twilight Zone das obras anteriores (El IncidenteLos Parecidos) de reformulação caseira/certeira das receitas. Mas pronto, é seguir caminho e acreditar que a seguir voltamos ao Nesquik

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Frame fatale


 Peeping Tom (1960)

Fica a meio

Room 104, série da HBO criada pelos irmãos Duplass, propôs-nos em 2017 o seguinte conceito: todos os episódios decorrem no mesmo espaço, um quarto de motel; tudo o resto muda. Ou seja a única regra é que a ação se desenrole ali, e dali podemos seguir para um sonho, um pesadelo, um musical, um drama, um documentário, agora ou num futuro apocalipse, durante uma tarde ou ao longo da vida, o que quisermos. E a beleza desta proposta, é que apesar de altos e baixos, cada entrada era uma experiência. Faltou-me isso na nova aventura de Bruno Nogueira y sus muchachos.  Essa identidade em cada episódio. Reconheço o arrojo, gosto da margem de erro/experimentalismo da proposta, mas a verdade é que raras foram as vezes em que me ri ou me senti investido. Depois da estreia - que tem o jantar mais interessante e mais coeso - a série fica refém dos mesmos vícios, do escrever de olhos fechados, do gritar em maiúsculas, do uso e abuso do absurdo, em detrimento de um enredo. Uma amálgama de cenas que cai na armadilha dos programas em que os apresentadores e convidados se divertem muito mais que o espetador. Com esta malta esperava outra resposta ao inesperado. E é que no fundo bastava dar a cada refeição o que título promete: um princípio, um meio e um fim. 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Bem Aja

Gosto muito de trocadilhar com o nome deste moço. Mas também gosto dos filmes dele. Pouco daquele Louis Drax e muito do (ainda fresquinho) Crawl. Este Oxygène vem na senda de "pessoas estão fechadas em caixões" que constitui um subgénero dentro do bloco "pessoas que estão fechadas num espaço apertado (que pode não ser um caixão) e que fazem alguns telefonemas". Buried, Locke, são bons exemplos de um exercício que joga sempre em duas frentes, a claustrofobia, aflição, contrarrelógio, por um lado; e a suposição/construção de um mundo exterior, por outro. Aja equilibra estas varas com mestria numa corda seguríssima chamada Melánie Laurent. Para além do visual e do mergulho na ficção científica, o mais interessante é que acabamos por ter dois elementos - realizador e sua protagonista - a salvarem-se da mesma forma: através do diálogo.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Lobisomens do Século XXI - Late Phases (2014)

Possivelmente o mais inesperado dos cenários para um filme de lobisomens: um condomínio para reformados. E não, não é nenhuma comédia daquelas com velhotes, em que eles salvam o dia, Jack Nicholson (piscadela de olho ao Wolf), Morgan Freeman e o Robert DeNiro, rir até não pode mais. Não, nada disso, o nosso herói é um cego veterano de guerra, em luta com as suas dores, especialmente com tudo o que não foi para o seu filho. Nisto, bicharada filha da puta, tripas, gore, senhoras de idade a falecer forte e feio, e o protagonista a encabeçar esta demanda, numa redenção final de todos os seus fantasmas. Com um aroma caseiro e um líder carismático, o filme acaba por se perder um pouco no mistério, desequilibrando os tempos e as revelações. Para além disso, se os filmes anteriores deste ciclo tinham criaturas incríveis este valha-nos nosso senhor da licantropia, parecem aquele fatos de mascote do basquetebol juvenil americano. Complicado. Mas pronto, tudo se faz, e no final do dia o saldo é bem refrescante e positivo.

terça-feira, 11 de maio de 2021

Quem me passa o sal cinematic universe

Oh Michael vai mas é acabar o Creed 3 e deixa-te deste filmes do algoritmo. Sabes bem que eu gosto de ti, presença, carisma, cabedalão. Mas não há aqui um pingo de vida caraças. Boas cenas de ação que não têm qualquer tipo de resposta por parte da intriga e suas personagens. Era soltar o cavalheiro do Nobody à chapada, começava numa ponta e acabava no Billy Elliot, a ver se a coisa arrebitava.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Barrinha energética


Não vi os outros. Aliás vi um bocado daquele em que o Travolta é mau e sei que o de 89 tem o Dolph Lundgren. Vou pôr tudo em dia sim, mas entretanto apanhei este Punisher: War Zone na televisão. Um bocado manhoso mas tem duas coisas bem boas: toda uma aura Dick Tracy, especialmente demarcada no seu vilão, e depois um momento alucinante em que o Punisher despacha malandragem do parkour. O primeiro apanha com uma espécie de rocket e rebenta no ar, a meio duma cambalhota; o segundo, pau tiro na cabeça; e o terceiro leva com dois balázios nas rótulas, que é para pregar o chibanço ao nosso herói. Está aqui, para guardar e consumir naqueles momentos de maior cansaço/tristeza.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Piscina dos graúdos

Shiva Baby não consegue descolar da sua apertada pista, de curta-metragem. O que entusiasma ao início - o figurino desorientado, deslocado e destravado da protagonista - acaba por fatigar ao fim da primeira meia hora. Os pais, a ex, o daddy, os pais, a ex, o daddy, a esposa do daddy, os pais, a ex. Aquele caos Baumbachiano (aqui empolado no som) nunca dá o salto, nunca evolui para outras rotas, deixando no ar um terceiro acto que nunca chega. 

sábado, 1 de maio de 2021

É atravessar sem medos

Confesso que estava meio de pé atrás. Vinha daquela série do Henry Cavill com a peruca e da outra onde o Merlin é meio drogado. E a protagonista tem poderes mas sem poder representar. Vê-se tudo, mas há sempre aquele toquezito mascarilha e esferovite. É então que chegamos a Shadow and Bone, uma fantasia que, surpreendentemente, faz tudo bem: foge dos indecisos dramas de adolescente, com um elenco sólido - em destaque, claro, o trio dos Corvos - e com um mundo único de remixagens e transformações - steampunk vitoriano, violento, bem desenhado, com czares, feiticeiros, monstros, sulcos, e mais e mais. Para além disso, e talvez a característica mais importante, é uma série que avança do particular para o geral, não se fragmentando em múltiplas histórias que fariam sentido daqui a 5 temporadas. Os arcos servem um propósito final, não só de encontro e colisão, mas de visão alargada de um grande mapa. Existe a noção de capítulo e enquanto se espera pelo próximo, só nos resta não sair de Ravka, saltando já para os livros de Leigh Bardugo.