terça-feira, 12 de agosto de 2014

Cinema Animal - Porco

Cinema Animal é a nova rubrica do Créditos Finais. Sem maçar, trata-se de um desafio proposto a três ilustres da blogosfera nacional, onde eu digo o animal e eles o filme. Basicamente é isto. E para dar o pontapé de saída eu grunhi PORCO. Vamos ver o que eles responderam

Aníbal Santiago

Aproveito desde já para agradecer ao Miguel Ferreira por me ter convidado para participar nesta iniciativa, não só por ter considerado a mesma bastante original, mas também por me ter proporcionado a oportunidade de rever "The Simpsons Movie", uma obra que já não via há algum tempo e voltou a divertir-me imenso. O filme não é centrado num porco, o animal do mês desta iniciativa, mas sim na família Simpsons, composta por Homer, Bart, Marge, Lisa e Maggie, embora o primeiro adopte um simpático espécime suíno. Refiro-me claro está ao "Spider-Pig", também conhecido por "Harry Plopper" e "Plopper". Este é um porco que Homer adopta quando o encontra prestes a ser morto num restaurante, protagonizando com este alguns momentos memoráveis, entre os quais quando o coloca com as patas pelo tecto a cantar "Spider-Pig" como se este fosse o "Spider-Man". Diga-se que durante parte da narrativa ainda encontramos Homer a mimar o "Spider-Pig", penteá-lo e até a dar mais atenção do que aos filhos, até resolver despejar um silo com esterco do seu animal de estimação no lago, algo que conduz a que o espaço fique com uma poluição brutal, conduzindo o presidente Schwarzenegger a ordenar a colocação de uma cúpula em Springfield para separar a cidade do resto do país. Homer logo é descoberto, tendo de fugir com a família, em momentos bastante aparatosos, embora com algum humor, até os Simpsons se verem na obrigação de salvarem o dia. Adaptar uma série televisiva ao grande ecrã não é tarefa fácil, algo que explica a demora dos famosos "The Simpsons" chegarem ao cinema, com o argumento a sobressair acima de tudo por conseguir apresentar uma história que se aguenta relativamente bem ao longo da duração, ao mesmo tempo que consegue captar "o espírito" da série. Não falta muito humor negro e elementos provocadores (não faltam piadas em relação a homossexuais, negros, Religião, Governo dos EUA), várias referências a elementos da cultura popular, alguns convidados especiais, ao mesmo tempo que a extensão da narrativa a cerca de uma hora e vinte permite abordar temáticas relacionadas com os valores familiares e a preservação do meio ambiente que não poderiam ser exploradas da mesma forma num episódio. Marcado por um humor corrosivo, a espaços politicamente incorrecto, um trabalho a nível de animação mais aprumado do que na série, uma história agradável e algumas mensagens relevantes, "The Simpsons Movie" é a prova que estes personagens têm muito para nos dar no grande ecrã.

Pedro Cinemaxunga


Os anos 90 foram carregados de estranhos animais geneticamente modificados para atingir os mais mirabolantes objectivos. O golfinho telepata psicocoiso do Johhny Mnemonic deu cabo do juízo ao Keanu Reeves, os hibridos canguru-humanos fornicaram a colega de Tank Girl em glorioso gangbang, dinossauros de Jurassic Park e outros devaneios alucinogénicos de uma Hollywood à procura de filões, quando as fórmulas dos anos 80 pareciam definhar. Foi, no entanto, um pormenor de cenário de um pequeno e fracassado filme que me ficou a martelar o cérebro anos a fio: os porcos cúbicos de Space Truckers. Neste glorioso épico esquecido, um grupo de camionistas tenta salvar a galáxia de um vilão espacial com capacidade de obliterar o que bem lhe apeteça. Esquema de filme de camionistas dos 70s, com a subcultura bem representada por Dennis Hopper onde só faltaria Sam Peckinpah na cadeira da realização, agarrado a uma garrafinha de JB, para atingir a perfeição. Ora este excelso camionista representado por Dennis Hopper transporta porcos geneticamente modificados em formato cúbico (ou quadrado como erroneamente costuma ser referenciado por cinéfilos com fracas bases de geometria) para aumentar a eficiência do transporte, reduzindo espaço encaixando-os perfeitamente. Não tem grande importância do ponto de vista narrativo, mas é algo que nunca mais ninguém se esquece. Porcos cúbicos…

A popularidade do porco no cinema deve-se a dois factores: a capacidade que têm de fazer desaparecer completamente um corpo (como tão bem se exemplificou em Snatch) e a sua carga simbólica de animal impuro e sujo que serve frequentemente de metáfora fácil ao realizador preguiçoso. Resta-me ainda deixar grandes exemplos de performance de porcos na sétima arte, sempre liderados pela fabulosa rainha miss Piggie. Razorback, terror australiano movido a mega-javali assassino, a divina cabeça de porco de Lord of the Flies, os porcos geradores de energia (metano) de Mad Max 3, Babe esse saudoso subproduto do mesmo realizador de Mad Max, o porco comilão de Gato Preto Gato Branco que serve para marcar a passagem do tempo e definir a bizarra cronologia do filme e Sarah Jessica Parker em Sex and The City 2.

João Gaspar
Desaparecido em combate nos Créditos Finais


aquilo de que mais gosto no porco é a maneira como o seu simbolismo foi mudando ao longo da história. disso e do bacon. mas centremo-nos no simbolismo, por enquanto.

se para os antigos egípcios e gregos o porco era um dos maiores símbolos de fertilidade, para os cristãos passou a ser sinónimo de preguiça e ganância. na china antiga era sinal de força e virilidade; hoje judeus e muçulmanos consideram-no um animal tão sujo que nem lhe comem as carnes.

e depois há esta agravante curiosa na língua portuguesa, onde o porco animal teve o azar de ser homónimo do pouco limpo, do reles, do impuro, do obsceno e indecente. na mesma entrada do dicionário, o porco é mamífero e badalhoco.

isto tudo faz-me lembrar no cinema o goodfellas. filme com tanto de virilidade como de ganância. argumento sujo e corajoso, interpretações brilhantes de porcos gananciosos, obscenos, impuros e ao mesmo tempo pondo à prova os limites das noções de lealdade. um um filme que tem um don’t touch my girl moment, tem violência, tem sexo, tem coragem, tem (in)justiça, tem o joe pesci com o seu how the fuck am i funny, tem uma banda sonora fabulosa e que acaba ao som do my way interpretado pelo sid vicious. enfim, uma deliciosa matança do porco elevada a obra de arte.

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