quinta-feira, 13 de março de 2025

Hey, Mickey!

Não vou comparar Mickey 17 a uma obra de 2009, com nome de satélite natural, porque não sou chibão como vocês. Para quem não viu o filme, ao ler essa comparação vai ter automaticamente o prato azedado, por isso sigam as minha pegadas e comecem assim: a televisão recente tem utilizado com bastante mestria o múltiplo de eu, quer seja o eu em vários invólucros - o corpo como um fato em Altered Carbon - o eu em várias realidades - o multiverso deprimente de Dark Matter - ou o eu trabalho/casa - a inesperada batalha interna de Severance. O cinema também não se tem deixado ficar e em 2023 o Cronenberg Junior encantou-nos com o seu Infinity Pool - o outro eu enquanto cruz de todos os pecados. O filme de Bong Joon Ho vai buscar este sadismo como ponto de partida: um descartável, uma pessoa que se sujeita às mais horríficas mortes em prol da ciência e da colonização humana de um inóspito planeta. Gosto muito como esse lado negro se imiscua no noir, com a narração que nos leva a mil e uma histórias da viagem, e no melodrama, através do improvável e belíssimo piano de Jung Jaeli. Esse lado da identidade, onde cada número se traduz num humor, se por um lado é o coração da intriga por outro acaba por confinar o filme a uma teia de corredores e enredos secundários com pouco interesse. Senti falta, especialmente na segunda metade, de espaço, de aventura. O ar fresco - muito fresco neste caso - faz bem e o Mickey volta a ter a mira afinada no final, resultando numa irresistível e obrigatória bizarria do género que devemos mimar como um filho: a ficção científica.

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