sábado, 31 de agosto de 2024

Remake português no concerto da Tinoco?

[SPOILERS] Juro que quando ele começa a dar porrada nos polícias, já perto do fim, cheio de força e não sei quê, eu pensei: mas tu queres ver, mas tu queres ver que começa a tocar a música do Protegido e está tudo fodido outra vez? Felizmente não. E felizmente este filme faz uma coisa para a qual eu já não estou preparado: surpreende. Pensei que o moço era uma espécie de Dexter e que todas as pessoas que ele tinha morto eram bandidos que tinham escapado à lei. Errado. Depois pensei que a mulher dele também estava metida e que matavam os dois em conjunto, casal feliz. Errado de novo. Só tiros na água. E muito longe de imaginar que a segunda parte do filme transformava a filha do Shiamané na grande heroína do filme.

Essa imprevisibilidade, que se junta a um renascido Josh Hartnett, faz deste Trap uma experiência curiosa, ingénua e de alguma forma saudosista. Claro, que nesta fragmentação narrativa, o filme perde intensidade e foco. Ganharíamos todos se este pai de família fosse descaradamente o grande protagonista, de malabarismo em malabarismo, de fuga em fuga - como faz por exemplo, com maior ou menor eficácia, a série You - aumentando o volume das suas vilanias. Umas machadadas a mais não fazia mal ninguém. Para além disso, algumas das interpretações deixam muito a desejar, retirando vigor a cenas que se queriam desesperadas e credíveis. Mas pronto, tivemos direito a homenagem ao Sudden Death, com o óleo das batatas fritas, e ficámos com mais uma obra inesperada de um realizador que continua a fazer o cinema que quer e como quer. 


quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Repetidamente

[SPOILERS] Opá sim, aquele abraço final de grupo resulta, e só por esse conforto o filme vence. Também é verdade que florescem ramos francamente criativos (e maduros) ao longo da aventura, como aqueles que se erguem para formar a identidade da Riley, o cameo precoce (e hilariante) da nostalgia ou a ideia de que ao crescer perdemos a alegria em prol da ansiedade. 

Porém, senti sempre esta sequela a movimentar-se na zona de conforto, ao estilo de episódio da semana, remetendo de forma inexplicável a puberdade para um drama de hóquei. Eu quero lá saber quem é que a treinadora vai escolher ou se o vermelho fica bem em madeixas. Ou arriscavam a sério nesse vendaval de mudança - com todas as hormonas que ele traz - ou então punham o hóquei no saco e davam real palco às emoções. Porque, olhando daqui, são elas que estão no poster, são elas que eu quero ver crescer.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Perna curta para tanto caminho


Empurrando para a borda do prato todo o arroz publicitário, o grande problema de desonestidade é do filme para com ele próprio. Conduzido por uma estética irrepreensível e uma angústia viciante da protagonista, Longlegs usa os seus capítulos como forma de preencher os vazios. Esquecendo-se do que é e do que tem de oferecer: como policial precisamos de um vilão e seus métodos, precisamos de motivações, precisamos de jogo, gato e rato; o filme dá, para nos tirar logo de seguida. Como thriller sobrenatural precisamos de pistas, de contexto, de ligações; o filme dá isso numa bofetada confusa e ainda nos martela tudo mais uma vez na cena final. Não é uma questão de falta de exposição, é um problema de identidade, de sabermos escolher os nossos monstros. E com muita pena minha Osgood Perkins não soube.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Sou teu amigo sim

O grande feito de Oddity é a ilusão de escala. Parece grande. Meia dúzia de caras, uma casa e um bonecão de madeira, fazem-nos passar com facilidade a barreira do exercício. Coisa que por exemplo, You'll Never Find Me - outro bombom indie recente - não consegue. Há um mundo a orbitar naqueles objetos, naquelas habilidades, naquela investigação. Em cima disso uma história simples mas inesperada, a transbordar bizarrice - desde os maluquinhos até às campainhas - cumprindo tudo o que promete num último acto certeiro e aterrador. Tivesse Damian Mc Carthy um elenco mais encorpado e experiente e estava aqui um cagaço para as calendas.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

É ela que me mata a mim

[SPOILERS] É irónico, mas o melhor segmento de Alien: Romulus não tem nenhum alien. Somos atirados de início para uma colónia mineira, num recanto da galáxia; penumbra, pó, populaça e o sonho de uma vida melhor. É neste ímpeto de fuga que chegamos a uma estação à deriva e de novo todos aqueles tempos certos da ficção científica. A música e a calma com que vemos as naves a manobrar, a acoplar, como o Verhoeven tão bem fazia no seu Starship Troopers. O mergulho é real e continua numa estação abandonada - escura e claustrofóbica - dividida em duas metades, Romulus e Remus. Irmãos, como a dupla protagonista Rain e Andy. E é nesta complexa relação que reside o tema mais interessante do filme: a irmã que preserva no andróide, seu irmão, as memórias (e as piadas) do seu pai. Como se fosse o último reduto analógico de alguém que partiu, como uma fotografia, e da qual tudo faremos para proteger.

Porém, como diz o Miguel Araújo, "se eu não mato a saudade, é ela que me mata a mim".

E Fede Alvarez entra então em modo greatest hits com um caderno de encargos mais extenso que a fronteira entre o Cazaquistão e a Rússia. Aliens aos magotes, armas de marine, andróide mau e afasta-te dela seu sacaninha. Até tocou aquela "Dei à luz um Engenheiro", numa crise grave de Regresso do Reitivite, em que o filme acaba só que afinal não porque ainda falta a 17ª homenagem/colagem às obras anteriores. Um assalto tenso e fechado, com temáticas humanas e cenas de ação inventivas, torna-se num festival demorado de músicas de outrora.