sábado, 19 de abril de 2014

The Shining: a longa minissérie

Não é tarefa fácil entrar na televisão com Stanley Kubrick. São linhas demasiado rectas, as que se desenharam sobre a grande tela e fizeram dela sua história. Cineasta de corpo inteiro, à experiência única da sala pública, aberta, fechada para cada um provar no escuro o seu enorme travo, a sua doce genialidade. Assim, falar do pequeno écran de forma directa, usando nome e apelido, reduz as hipóteses para nunca feitos ou terceiros. Os da gaveta já aqui foram sacados: Napoleon, God Fearing Man e Downslope, ideias que nunca conseguiram fugir das folhas e que agora ameaçam voltar, com outra visão. A primeira é minissérie endereçada a Steven Spielberg, na produção, com rumores correntes da casa HBO e Baz Luhrman atrás das câmaras. A segunda e terceira são produções da Entertainment One, minissérie e telefilme, respectivamente. Para eternamente se discutir, que nem ursinho Teddy, como teria sido, o que é dele e o que não é, o que é laranja e o que é vermelho. Sobram-nos os outros, a não suposição da visão mas o desdém da mesma, e nesse instante vaivém, de novo, até ao passado.


Vamos fazer justiça

No início de Before Sunset um jornalista pergunta a Jesse (Ethan Hawke) se o livro que escreveu é autobiográfico. Ele responde com a questão: não será tudo autobiográfico? De facto nada do que damos se pode dissociar do património de vivências. História, a nossa que tão orgulhosamente (e involuntariamente) sabemos aproveitar. Talvez tenha sido esta a maior ferida, não a do trabalho, mas a da vida. Stephen King iluminou-se e inspirou-se, quando, em 1974 ficou alojado com a sua esposa no The Stanley Hotel, em Estes Park, Colorado. Eles eram os únicos hóspedes e o hotel ia encerrar no dia seguinte devido ao período de inverno. Ao percorrer os corredores vazios, ecoando ideias a cada passo, percebeu que este seria o local ideal para uma história de fantasmas. Sonhou com o grande edifício, o seu pequeno filho no meio das portas escondidas e objectos que de repente ganham vida. Ao sair de lá, no dia seguinte, tinha o livro instalado e disposto a nascer. Outro vértice latente da vida do escritor foi a sua luta contra o alcoolismo, que estava pronta, também ela, a ser contada. Três anos depois sai este volume de si, um enorme sucesso por todo o lado, um clássico literário do terror que viria então a ser adaptado, anos mais tarde (1980), por outras mãos. E o que viu, não foi a cria que tinha tão arduamente criado. King não gostou da adaptação que Stanley Kubrick fez da sua obra. Fria, acusou-a de esquecer os personagens, de não conseguir desenhar a espiral da loucura necessária para realmente assustar. E nos agarrar pela garganta. Era outro a contar um episódio que só nós vimos. Depois da polémica, das críticas, surgiu em 1997 a resposta final. Confiante que tinha palma para nos agarrar o pescoço decide nessa altura dar descanso a esta guerra e mostrar a todos os fãs como seria aquilo que ele viu quando escreveu. Dar à sua obra a adaptação que ela merecia. Com o controlo total da odisseia, escreveu e produziu esta minissérie dividida em 3 episódios de 90 minutos. Sim, não são duas, não são três, mas sim quatro horas e meia de The Shining. Bem ou mal passadas? Bem, é isso que vamos descobrir.

Texto publicado na Take 34

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