Ele estudava cada caso com cautela. Primeiro, lambia e abria o jornal na página exacta. O cardápio iluminava as diversas opções. E eram muitas as sessões, nas mais variadas salas, para os mais variados olhos. O filme porém não podia ser este ou aquele, aquele ou o outro, tinha de ser um assustador e barulhento filme de terror. O volume no máximo e os gritos do susto, a acelerar o bate-bate do peito. Era requisito obrigatório para o seu esquema semanal: convidar um alegre sorriso do sexo oposto – que suscitasse nele um carregado desejo, o sexo amigos, o sexo! – e levá-lo a uma inocente sessão de cinema. Como mosquinha tonta – e se tudo funcionasse de feição – ela aceitaria, entraria na escura sala e zás, pregada na teia! Sempre que um novo filme estreava, ele espremia o trunfo até à aridez do deserto. E via-o quantas vezes os seus encontros permitissem. Ela gritava, ele, feliz, bocejava. Os jantares são caros, o Jardim Zoológico é demasiado amplo e o Oceanário, bem o Oceanário tem muita, sei lá, água. O certo é que chegou à genial conclusão – com provas dadas – que uma sessão de terror é o balanço perfeito entre o seu estilo sovina e o seu voraz apetite. Por sexo amigos, por sexo! Não era bom com as palavras, nem tinha muito jeito para o humor, mas no que toca a “colocar o braço no ângulo certo para que a donzela assustada se agarre a ele com força” era exímio! Mestre nas pequenas carícias, perito em fingir que partilhou o susto de forma a sair o risinho pateta e cúmplice. Sejam malucos com motosserras, facas ou berbequins, demónios, monstros e afins, qualquer banho de sangue serve. Lá vai ele, dirige-se devagar – chega-te, chega-te – agarra na cabeça do polícia – encolhe-te, encosta-te – e come-lhe a língua – e fecha os olhos enojada enroscando o seu calor no meu peito. Feito.
Era terça-feira. Colega nova, convite novo. Aliás foi ela a convidá-lo, facto que o levou a pensar na facilidade com a sua vida escorregava, mas tal não lhe tirou o sentido de responsabilidade. Não deixa estar que eu pago, disse firme. Vamos ver “aquele filme da miúda loura que eu já vi 3 vezes mas tenho que fingir que é a primeira para te poder comer”? Não, respondeu ela, já vi. Pânico, suores frios. Ela já tinha visto, e agora? E agora? Olhou descontrolado para o resto dos nomes que flutuavam no folheto. As letras desfocavam, o chão fugia. Como era possível em anos de carreira não ter criado um plano B? Ah ah ah ria-se o destino, era só A e recurso nada.
Era terça-feira. Colega nova, convite novo. Aliás foi ela a convidá-lo, facto que o levou a pensar na facilidade com a sua vida escorregava, mas tal não lhe tirou o sentido de responsabilidade. Não deixa estar que eu pago, disse firme. Vamos ver “aquele filme da miúda loura que eu já vi 3 vezes mas tenho que fingir que é a primeira para te poder comer”? Não, respondeu ela, já vi. Pânico, suores frios. Ela já tinha visto, e agora? E agora? Olhou descontrolado para o resto dos nomes que flutuavam no folheto. As letras desfocavam, o chão fugia. Como era possível em anos de carreira não ter criado um plano B? Ah ah ah ria-se o destino, era só A e recurso nada.
- Vamos ver o “Diário da Nossa Paixão”, deve ser bom – sugere ela enquanto ele ainda tenta encontrar outra chacina no cartaz em questão.
- O diário do quê? – ouviu ele confuso, atordoado. Procurou no papel e lá estavam dois seres enleados num beijo chuvoso. Era o fim. Tinha a noite perdida. Baixou a cabeça e consentiu, fingindo entusiasmo.
Pagou – que remédio – e seguiu a companhia. Nunca tinha ouvido falar do filme, nunca tinha pensado para além da pós-sessão. Ligava pouco a cinema. As luzes apagaram-se, o filme arrancou. Um rapaz e uma rapariga. Gostam um do outro. Namoro conturbado – ele esboçou o primeiro sorriso. Diferenças sociais, a família não ajuda – começou a estranhar. Separam-se – ajeitou a sua posição, começou a ficar desconfortável. Ele escreve mas ela nunca lê as suas cartas – mas porquê, pensou já zangado! Encontram-se anos depois, chove, eles ainda se amam eles sempre se amaram – sorriu mais aliviado mas pensou nos velhotes, quem são os velhotes? Os velhotes são eles, velhotes, ela tem Alzheimer e ele conta-lhe todos os dias a sua história de amor – oh não mas que filme sádico e triste é este?! Porque não podem ficar juntos, tipo, porquê?! Pensou e quando Allie de repente já não conhece Noah e o afasta, ele cai nas lágrimas. Chora que nem o bebé que nunca foi. E chora. E chora. Ele, perdido de amores por o amor de outros. Ela, a seu lado, boceja e tira estrategicamente o pacote de lenços. Ele recebe-os e continua a chorar. Pronto pronto, diz ela agarrando-lhe meticulosamente na mão. Era a quarta vez que via o filme, e ele tinha sido o mais rápido a quebrar. Ela estudava cada caso com cautela. Primeiro abria o site e carregava no link certo. O cardápio iluminava as diversas opções. E eram muitas as sessões, nas mais variadas salas, para os mais variados olhos. O filme porém não podia ser este ou aquele, aquele ou o outro, tinha de ser um enternecedor e lamechas filme de amor.
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