terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Blindness


Às vezes as coisas não resultam, passam-nos ao lado e ficamos impotentes a ver o comboio passar. Não consigo encontrar uma explicação palpável para Blindness não me ter socado, tocado nem marcado. Que nem cegueira branca deixou-me frio como um cubo de gelo, perplexo e perdido à procura do que eu tinha lido nas páginas de Saramago.

O livro impressiona, marca, agonia e aperta. As personagens sem nome são veículos para uma metáfora global da humanidade, que se transforma no lado mais escuro depois de um surto de cegueira clara. Ao generalizar, é nos dado nas palavras o espaço para completarmos o que falta, encaixarmos a vida em cada pessoa, de acordo com o que já vivemos e imaginamos. Somos nós que completamos e personalizamos os ambientes e acções.

O filme segue à risca esta regra e quer-me parecer que é aqui que ele escorrega. O que no livro resulta às mil maravilhas, aqui não funciona: ao nos mostrarem as personagens anónimas estão a assumir de imediato um compromisso com o espectador, que já não pode imaginar e tem de receber as informações reais de uma personalidade, de um feitio. Precisamos de carne em cada um para podermos simpatizar ou antipatizar com este ou outro indivíduo, para podermos distinguir vilões de heróis, o mal do bem. Ficam assim sujeitos ocos que se passeiam de acontecimento em acontecimento, sem qualquer tipo de seguimento ou relação causa - efeito. As cenas sucedem-se quase por obrigação, com o intuito de meter tudo nas horas de filme, tirando a devida importância a momentos chave da história.

Luís M. Oliveira diz no Y da semana passada que “há mais Ensaio sobre a Cegueira naquele filme de Frank Darabont, Nevoeiro Misterioso, que cá estreou há uns meses, do que em todo o filme de Meirelles”. Eu não podia estar mais de acordo. Precisávamos que Gael García Bernal nos desse a loucura de Marcia Gay Harden, e que quando a tesoura espetasse fosse o alivío do outro tiro. Precisávamos de cheirar a podridão, de repudiar os actos selvagens, de enjooar só de olhar. Mas não, tudo é imaculado demais, sem a profundidade que nos conquista a flor da pele. A violência passa sem verdadeiro significado e aqueles que se queixam da brutalidade de certas cenas, das duas uma, ou não leram o livro ou então conseguiram abraçar a obra de uma forma que eu não fui capaz.

Ia com enormes expectativas e apesar de Meirelles ter boas ideias de cinema, dá aqui o seu grande tiro ao lado.



(+) Algumas transições entre planos e todos os planos de Julianne Moore.
(-) A incapacidade em nos transmitir seja o que for.

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